- o carteiro -
e o Homem criou Deus... (XIII)
Na última vez falei das guerras intestinas entre o poder religioso e o poder político e como um se imiscuía no domínio do outro. Com o morte de Thomas Becket às mãos de apoiantes da causa de Henrique II (que pretendia diminuir o âmbito de manobra da Igreja e alcançar maior independência do governo face a Roma), a Igreja alcança uma vitória moral, já que pode contribuir para a causa com um mártir. Há no entanto um outro conflito que ninguém consegue resolver: aquele que opõe os diferentes senhores da Europa. Em 1095 a Europa estava devastada pelas quezílias que opunham os grandes senhores: a brutalidade entra no continente (após os bárbaros) e mina a ideia e desejo de civilização. Estes senhores, para se defenderem, convocam pequenos exércitos de homens que lutam pelos seus interesses. Mas eis que a paz surge... e o que se faz com homens treinados para lutar, em tempos de paz? O papa Urbano II teve resposta a esta pergunta: enviam-se estes homens para Jerusalém a fim de lá continuarem uma guerra; desta feita, uma Guerra Santa. A ideia que sai do conselho de paz convocado pelo Papa em Clermont é que a brutalidade e violência em potência na Europa podiam ser aproveitadas em prol do Cristianismo, no Oriente, em Jerusalém, cidade de Jesus ocupada pelos muçulmanos. Estes são, obviamente, os cruzados. Eram cavaleiros (não só no sentido nobre da coisa) que partiram das suas cidades inseridos em grupos ou sozinhos, persuadidos por pregadores inflamados. Milhares de homens deslocaram-se até Constantinopla, cidade que abria as portas para o Oriente. Como referi, convém lembrar que estes cruzados não eram apenas os filhos das melhores famílias que se tornavam cavaleiros e - cumprindo o seu dever, combatiam. Entre eles seguiam os mais pobres dos homens que esperavam alcançar riqueza ou simplesmente fugir da miséria. O problema foi que muitos pensaram: porquê esperar por chegar a Constantinopla para chacinar os infiéis e pilhar as suas cidades, se os temos aqui mesmo, na Europa? Estes infiéis a que eles se referiam não eram os muçulmanos. Eram outro tipo de infiéis; eram infiéis que tinham surgido primeiro que os próprios cristãos e que reclamavam para si a crença no Verdadeiro Deus: os judeus. Apesar dos esforços dos bispos cristãos para esconder e proteger os judeus, milhares foram massacrados e mortos às mãos dos cruzados. Mas a coisa não ficou por aqui... Com pouco, ou mesmo nenhum planeamento, com nenhuma organização e sem mantimentos, os cruzados roubaram tudo o que podiam por onde passavam e depressa se tornaram temidos e odiados. Alguns destes homens nunca chegaram a sair da Europa e a alcançar Constantinopla, mas um grupo de cruzados atingiu a Ásia Menor. Mesmo estes não tinham tido preparação ou disciplina e por isso acabaram por ser massacrados pelos turcos. Em 1096 surge uma segunda vaga de cruzados. Desta vez os que partem são verdadeiros cavaleiros, mas nem isso lhes vale já que voltam a ser massacrados, passam fome e são humilhados. Os cruzados vêem nisto um teste à sua Fé que apenas se aprofunda ante as adversidades.
O impacto das cruzadas na Europa é enorme: unificam-se inimigos mortais numa causa comum e pela primeira vez emerge aquilo que hoje classificamos como identidade europeia. Estabeleceram-se normas para as trocas, novos impostos, a Igreja fortaleceu a sua posição e aumentou a riqueza que já possuia, etc... Apesar de tudo isto houve um grande custo para a Europa: as cruzadas foram o primeiro acto cooperativo da Europa, acto este que em vez de se destacar da barbárie, caracterizou-se por ela.
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