sábado, abril 27, 2013

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

"isso também eu fazia"
"fazias, mas não fizeste!"
A primeira frase/expressão é muito ouvida, seja no que for. aposto que foi isso que disse o primeiro tipo que viu o ovo de colombo direitinho. relembro-a a propósito de um conjunto de conferências dedicadas à arte contemporânea a que assisti. assistir é o termo certo, nem mais nem menos. anoto, faço perguntas, venho de lá com muitas ideias, mas não consigo assentar nenhuma. por isso escrevo este post. 

uma das grandes questões da arte contemporânea, talvez a maior é "o que é que é arte hoje?". A arte hoje padece de um problema que somos nós (não sei se a frase está bem escrita por causa da concordância, mas adiante). Nós tentamos perceber a arte de hoje, tentamos nomeá-la, qualificá-la e isso quase sempre corre mal pois, conforme se sabe, ninguém é bom advogado em causa própria; ou seja, a coisa redunda ou na subestimação da arte actual, ou na sua valorização incondicional. Mais, a arte de hoje está muito mais próxima de nós, é mais fácil termos acesso a ela, o que nos dá a entender que temos de ter sobre ela uma opinião, quando na verdade o que nos dá essa sensação é o mediatismo a que tudo hoje está sujeito. um exemplo é um repórter com um microfone na rua: qualquer pessoa se aproxima tal é a tentação de dizer ante o país o que acha. há um outro nós: o nós artístico que produz e que atenua as fronteiras entre a arte, o artesanato, o design, a performance, etc. e parece-me bem. acho que quando o caravaggio desenhava com os seus modelos não ficava a pensar: "calma aí, será isto pintura, teatro ou o "um dois três macaquinho de chinês"?. Quer isto dizer que quem está no meio tem capacidade para ver para além do meio.

Para além do nós, existe um outro problema: o tempo. O tempo suavizou as clivagens que a pintura foi criando. O que é pintura? Pincel, óleo, tela? Ou também pode ser a inclusão de outros materiais, o uso dos dedos, a trincha, a parede em vez da tela, o chão em vez da parede...? Inicialmente a pintura era o tradicional: pincel, óleo/têmpera, tela/painel. Mas cada vez mais nos habituamos a encarar como pintura o que possa incluir outros meios e nem é menos pintura se não for figurativo. Embora, e segundo as nossas mentes formatadas, uma pintura é melhor quanto mais "normal" (!) for. Quanto à escultura, também houve uma modificação no pensamento. Hoje a escultura não é só o trabalho figurativo em bronze, marfim, mármore, mas pode ser a simples incisão numa placa de madeira, ou um espaço (site specific). Custa a admitir, mas acredito que mais cedo ou mais tarde a escultura também achará o seu lugar de forma pacífica (o que para dizer a verdade, nem sei se é bom ou mau). Mas relativamente à joalharia, o caminho a percorrer é longo. Começa logo pela denominação que nos traz à ideia diademas e coroas reais, pedras preciosas, ouro e um trabalho minucioso. A joalharia contemporânea destrói todas essas formatações: usa materiais que não são nobres, materiais perecíveis, usa da mesma forma a produção em série e a produção de um exemplar único... 

É a altura em que se pergunta, na joalharia como na moda, ou como na arquitetura - ou na pintura e na escultura, ainda que cada vez menos pois estas duas áreas têm granjeado ao longo do tempo um grande apoio da política, da economia (a arte move algumas economias como a italiana, por exemplo), do cinema, da religião, dos meios de comunicação social (a guerra no egipto e o roubo/destruição de peças) - é então a altura em que se diz "mas isso é arte?". na minha opinião, bem como na de outras pessoas, por mais que nos custe, temos de ver que os paradigmas mudaram e o que se procura, hoje como sempre, é que a arte seja feita, através de que materiais e técnicas, segundo um pensamento dirigido para nos transmitir sensações de volume, de fantasia, de brilho, de cor, de reflexo, de temperatura, etc. e que se assim for, é arte. mas se não for assim, se a junção de materiais através de determinadas técnicas for casual, também há a grande possibilidade de ser arte. nesse caso, ao observarmos o objeto artístico, teríamos de dizer não "isso também eu fazia", mas antes isso foi o que ele/ela, desejaram fazer com a formação que tinham e que continua a ser, na maior parte dos casos uma formação de origem clássica. por muito que nos custe, já não basta entrar nos museus, ver e vir embora. é necessário estudar, é necessário ler, é necessário procurar informação. a arte contemporânea exige isso de nós e com toda a razão. Assim como não esperamos compreender um teorema só ao olhar para ele, também não podemos exigir isso da arte.

beijinhos grandes e repenicados. até amanhã, vou dormir. 

2 Comments:

Blogger Unknown said...

sim... a arte é o que está para além desse primeiro, fácil, superfícial, olhar...
mas estou também em crer que não é o "estudo" que "resgata" a obra
quando não "clica" não "clica" e não há cá estudo, saber (verborreia pseudo-académica em quantos casos...), que nos valha...
e nós e/ou à obra...

27/4/13 2:52 da tarde  
Blogger Belogue said...

claro que o estudo não cria a empatia. tal como conhecer muito bem uma pessoa não faz com que ninguém se apaixone. mas também acho que quando vemos uma exposição ou algo parecido, não podemos dizer "ah, é com isto que gastam o nosso dinheiro" ou então "mas isto é arte? não sei onde!" sem conhecer. detesto quando as pessoas têm essa atitude e por mais estranho que pareça estou rodeada de pessoas que pensam assim. Talvez por a arte ser algo que mexe com os nossos gostos, os nossos sentimentos, talvez por ser algo que nos desafia, talvez até por não ter uma utilidade básica, temos tendência para questionar. mas não questionamos outras coisas. nunca vi ninguém a dizer de uma feira de robótica (lembrei-me agora disto): "para que é que isto serve. Que parvoíce, gastarem dinheiro com isto!".

em certos casos (ia dizer agora um, mas é melhor não), o artista agradece que se diga o mínimo possível, porque de facto não há muito a dizer. quando andava no liceu passava-me com o estudo dos poemas. dizia muitas vezes ao professor: "o poeta não usa uma aliteração a pensar que vai usar uma aliteração". ainda hoje não sei se estou certa. às vezes acho que a genialidade não tem nada a ver com trabalho, outras acho que sim. cada vez tenho menos ideias assentes, o que me aborrece. por vezes acho que analisamos demasiado as obras, pictóricas ou literárias. pode um pollock ter tanto para dizer quanto um van eyck? os objetivos dos dois eram diferentes.

sei lá. eu já não sei nada

28/4/13 10:15 da tarde  

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