sexta-feira, janeiro 22, 2010

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou como desta ninguém se lembrou. Nem o próprio Chagall. Acho que nunca postei nada sobre o Chagall, mas isso deve ser porque não admiro substancialmente a obra dele. Estava à procura de imagens para ilustrar o "carteiro" sobre as limitações do Sabbath original que os judeus se impunham quando vi que esta imagem era muito parecida com

The Sabbath Rest
Samuel Hirszenberg
1894

esta. Quer dizer, por acaso foi ao contrário. Esta é que era parecida com a de cima. "Ora porquê", foi o que pensei. "Porque é que o Chagall pinta tantas cenas que se relacionam com o judaísmo?", pensei eu, como se isso interessasse a alguém, o que não quer obrigatoriamente dizer que a coisa não era interessante. É interessante partindo do princípio que não sabia nada de Chagall. Muito bem: era judeu, nasceu numa família russa de origem judaica, tímido e gago, o que não é nada auspicioso. Em 1910 quando pinta este quadro já estava em Paris e parece que a mãe nunca lhe impôs limites à sua paixão pela arte, o que era uma raridade no seu tempo e tendo em conta a vida modesta que a família levava. Incentivou-o a entrar na escola de arte de São Petersburgo. Em Paris foi muito influenciado pelo Cubismo e pelas cores fortes do Expressionismo, pelo Orfismo de Delaunay, mas parece, pelo que li, que Chagall e Malevitch não se davam muito bem. Malevitch não lhe perdoava o figurativismo que era totalmente oposto aos princípios do Suprematismo e Chagall não lhe perdoava... que ele não o perdoasse. Quando vejo os quadros de Chagall (que confundo sempre com Matisse), lembro-me do Brueghel que dizia: pinta a tua aldeia e pintarás o mundo". Parece-me verdade: os quadros de Chagall estão repletos de figuras que parecem vindas directamente de uma lenda regional, que contam histórias típicas. Contam histórias da Rússia, do gueto, onde Chagall, como judeu viveu enquanto permaneceu na Rússia ou até do judaísmo hassídico. E com todas estas influências Chagall criou um estilo de uma pessoa só, não totalmente descritivo pois os seus quadros contam momentos, não descrevem o que os antecedeu, e criou as bases para o Surrealismo. Enquanto a pintura de Samuel Hirszenberg se chama Sabbath Rest, Chagall chamou-lhe apenas Sabbath, como se o descanso fosse sinónimo de Sábado e por isso, desnecessária a sua menção. Atente-se também na cena que muito deve a The Cafe Terrace on the Place du Fórum de Van Gogh na escolha das cores e no significado do tempo. Aqui as cores têm um papel muito importante, ou não fosse Chagall um expressionista extremamente influenciado, como vimos, pelas histórias da sua cultura e religião. Por isso as cores conferem ao quadro a dimensão espiritual que ele possui. Vejamos que há um foco luminoso (formado pelo candeeiro e pelas velas que se encontram em cima da mesa) que faz com que toda a cena se concentre ali, não obstante a presença de outras pessoas. O centro da sala com a mesa está destacada a vermelho e amarelo, cores quentes, enquanto o relógio na parede, a personagem mais à direita e a janela possuem cores que nos afastam desses pontos. Mas o que importa para Chagall são as personagens que se encontram à mesa a descansar, a orar ou simplesmente obrigadas a repousar por ser Sábado, e é nelas que está o espiritual do quadro. Nelas e no único objecto presente no quadro: o relógio que marca o tempo físico e o tempo psicológico, como se a sala estivesse toda em silêncio a ver passar o seu dia dedicado ao Senhor.
Samuel Hirszenberg por seu lado estava fixado na história dos judeus no mundo, sempre vistos como aqueles que deveriam ficar à parte e com os quais nenhuma religião se devia misturar. Os católicos, a meu ver misturaram-se mais com os muçulmanos pelo menos durante a divisão da Igreja em Católica do Ocidente e do Oriente do que com os judeus que, quer-me parecer faziam sombra à palavra do Deus católico. Era um pintor académico e a pintura que hoje mostramos não pode ser propriamente uma referência no mundo artístico: não tem profundidade, não tem tessitura. É o que o título diz: o típico Sabbath com mais velhos a descansar, os assim-assim a olhar e os doentes a "doentar" como mandava o Mizrá.
Marc Chagall
The Sabbath
1910
Ludwig Museum, Colónia