- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes e depois ou "that's what friends are for" ou como "hoje não temos um grande "antes de pois", mas como eu não também não sou grande, fica à medida. As duas pinturas contam uma cena mitológica que faz pensar os teógonos sobre quem criou quem. Sabe-se que os deuses criaram os homens, mas quando? Na mitologia grega começa por existir o Caos. Desse Caos nascem dois filhos (na mitologia grega, assim como na Natureza, os deuses tinham dois géneros, por isso era natural que se reproduzissem sozinhos): a Noite e o Érebo (fosso onde reside a Morte). Nasce também o Amor, a Luz e o Dia. Surgem depois a Terra-Mãe (Geia) e Pai dos Céus (Úrano) e deles, forças da Natureza como os Monstros: Ciclopes, Titãs e outros, que por vergonha Úrano aprisionou. A mãe não ficou nada satisfeita e pediu aos seus filhos Ciclopes e Titãs que enfrentassem o Pai. O único que teve coragem de enfrentar Úrano foi o titã Cronos. Numa rixa entre ambos, Cronos feriu o Pai e do sangue deste nasceram mais duas categorias de monstros: os Gigantes e as Fúrias. Os gigantes foram expulsos da Terra e as Fúrias ficaram (nota-se!) para punir os pecadores. Cronos casou com uma irmã, Reia, e reinaram por muito tempo. No entanto, Cronos temia uma profecia que dizia que um dos seus filhos o iria destronar, tal como ele havia feito com o seu pai. Por isso Cronos devorava os filhos quando estes nasciam (não sei se há, mas devia haver um complexo de Cronos). Quando Reia deu à luz o seu sexto filho, conseguiu escondê-lo de Cronos e enviou-o para longe. O seu nome era Zeus. Tal como dizia a profecia, Zeus destronou o pai.
Foi no reinado de Cronos que o Homem já tinha sido criado. Como era fraco e não tinha qualidades face aos deuses, o Homem vivia uma vida pobre e subserviente. Mas os homens, tal como as divindades, aspiravam a mais e tentaram derrubar Zeus ("matar o Pai", talvez uma antevisão do complexo de Édipo). Uns defendem que os humanos foram de facto criados pelos deuses, mas tornaram-se tão maus que os deuses tiveram de eliminá-los (versão que o Cristianismo mais tarde vai aproveitar para justificar a morte de Cristo), outras versões dizem que os humanos foram criados pelos deuses a partir dos metais. Outra versão conta-nos porém uma história diferente: a criação do Homem devia-se a dois Titãs irmãos (Prometeu e Epimeteu). Epimeteu (aquele faz antes de pensar) terá dado as melhores qualidades aos animais, qualidades essas como a força, a coragem, a manha, as asas para voar, as penas para cobrir do frio, as conchas para se abrigarem, não deixando nada para os Homens. Para contrariar e equilibrar isto Prometeu (aquele que está precavido) deu mais dignidade ao homem, tornou-o erecto como os deuses. Aqui a versão aproxima-se ainda mais daquilo que defende o Cristianismo pois diz que Zeus, com inveja dos homens e para castigá-los por ousarem assemelharem-se a deuses, puniu-os com a criação da Mulher. E deu à Mulher a caixa, a "boceta de Pandora" que continha todos os males do Mundo (sempre nós!). Prometeu não aceitou Pandora, mas Epimeteu sim e como se juntou "a fome com a vontade de comer", é fácil ver o que aconteceu: os dois curiosos abriram a caixa e soltaram-se os Males do Mundo.
Agora chegamos à parte que diz respeito a estes dois quadros. Estarão a pensar: "então para quê tanto paleio?" Porque também é preciso situar as pessoas. Apesar de ter sido Epimeteu a fazer asneira, quem incorreu na ira dos deuses foi Prometeu que os enganara aquando da escolha da melhor parte dos animais após o sacrifício. Quando um animal era sacrificado, uma parte era comida pelos deuses e, após o aparecimento do Homem, a outra era comida pelos homens. Cabia aos deuses escolher primeiro. Prometeu, que estava encarregue de procurar o animal e prepará-lo, tomou um boi gordo e depois de o abater embrulhou os melhores bocados na pele do animal e colocou por cima destes pedaços, as vísceras. Os piores bocados foram embrulhados em gordura que reluzia. Zeus escolheu entre os dois montes e obviamente escolheu aquele que reluzia; ou seja, os deuses ficaram com os ossos do animal morto. Como Zeus tinha escolhido de livre vontade, não podia contestar a escolha, mas mudou as regras: a partir daí apenas os ossos dos animais eram queimados nos altares de sacrifício aos deuses. Quando convidado para o banquete no Olimpo, Prometeu, não satisfeito, roubou uma centelha de fogo que deu aos homens e com isso deu-lhes também a possibilidade de maior autonomia face aos deuses e vantagem face aos animais. Zeus, em fúria, ordenou que Prometeu fosse agrilhoado por fortes correntes de metal ao Cáucaso, uma montanha muito alta. Como Prometeu não se calava com profecias que diziam que o Deus dos Deuses seria destronado, Zeus enviou-lhe uma ave que todos os dias, durante mil anos, voava até ao Cáucaso e roía o fígado do preso. Após isto o fígado regenerava-se e ave regressava no dia seguinte. Sempre assim. Ad eternum (quase... foram mil anos).
Muitos foram os artistas que pintaram Prometeu Agrilhoado. Rubens foi um deles. No auge da sua glória o pintor conseguiu uma boa e sólida rede de contactos e encomendas. Tão boa que nenhum homem, por mais expedito que fosse, conseguiria dar resposta a tanta encomenda sozinho. Por isso ele (e muitos como ele) criou uma espécie de linha de montagem de pinturas: o mestre fazia o esboço geral, dava as directivas, os pupilos davam a "primeira demão", faziam quase tudo e o mestre voltava para completar os pormenores finais. Os pupilos eram escolhidos segundo as suas destrezas: os que tinham maior capacidade para a pintura de animais (Paul de Vos e Frans Snyders), pintavam os animais, os que tinham mais jeito para a figura humana, pintavam figura humana, os que estavam especializados em paisagens (Jan Wilden), pintavam paisagem. Podíamos ter num só quadro a intervenção de quatro ou mais pessoas. Não deixavam de ser trabalhos de Rubens, mas convenhamos que não era trabalhos só de Rubens.
Pieter Pauwel Rubens
Prometheus Bound
1610-11
Museum of Art, Filadélfia
Jacob Jordaens
Prometheus Bound
c. 1640
Wallraf-Richartz Museum, Colónia
2 Comments:
sim, verdade. mas Rubens não foi o primeiro a criar a tal linha de montagem, já os italianos a tinham
Caro João Barbosa:
pois já. há um bom livro sobre isso. é do david hockney, mas não me recordo do título. vou ver se lembro e depois digo
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