- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes e depois ou "como este não era o post que deveria estar aqui", ou "como sabem quando vêem alguma coisa em algum lado, mas depois aquilo apagasse-vos da memória e perdem o rasto à fonte. Ficam com a imagem na cabeça, têm a certeza que não inventaram, que viram mesmo e que aquilo existe, só não sabem onde está. Pois essa é a história deste post (e da minha vida) que não estava para ser este, mas outro. No entanto como não podia ficar ad eternum a procurar a tal imagem, resolvi postar esta comparaçãozinha que não deve nada à outra. Acho eu!
Na primeira imagem trata-se do São Jerónimo de Caravaggio que o AM gosta muito. Pelo menos disse uma vez que gostava muito do quadro. E na segunda, de Pierre Restany. Estava a ver um livro da Taschen e deparo-me com a fotografia de Restany numa das páginas e pensei cá comigo: “eh pá! Mas isto é o São Jerónimo do Caravaggio cuspido e escarrado, salvo seja”.
Depois de os protestantes terem feito uma versão sua da Bíblia, coube aos católicos reeditarem a versão standard feita por São Jerónimo no século IV. É considerado um dos doutores da Igreja juntamente com Santo Agostinho, Santo Ambrósio e São Gregório Magno. Para o bem da Igreja e para contrabalançar todas as dúvidas controversas de Santo Agostinho sobre a Santíssima Trindade, São Jerónimo opunha-se aos heréticos modernos que se manifestavam contra o culto dos santos, a restrição do ensino do Latim apenas aos letrados e que viam o Papado como a prostituta da Babilónia. Nos tempos da Pré-Reforma (não é essa! ) protestante, São Jerónimo era retratado com um leão a seu lado e com o chapéu de cardeal. Após a Reforma os católicos quiseram que os seus santos fossem apenas retratados com o mínimo essencial para serem identificados. Apenas com o mínimo denominador comum. Por isso este São Jerónimo de Caravaggio é tão sombrio e austero. O modelo para o santo foi o mesmo que para Abraão no quadro “O sacrifício de Isaac” e para Mateus no quadro “São Mateus e o Anjo”. Enquanto outros autores retrataram São Jerónimo como um homem cheio de saúde, Caravaggio preferiu retratá-lo como um velho entre os códices da Bíblia, pobre (apenas com um manto vermelho que coloca em evidência a brancura da sua carne), magro (a luz ajuda a enfatizar os seus músculos e ossos) e junto de uma caveira como que a lembrar as vanitas e tudo o que é efémero. Só Deus e a sua palavra são eternos.
Pierre Restany foi um crítico de arte e também ele artista muito próximo dos dadaístas e foi ele quem criou o termo “Novo Realismo” que como corrente artística era um bocado assustadora. Pode dizer-se que o “Novo Realismo” era uma versão europeia em tom retorquido da Pop Arte e do que se fazia no grupo Fluxus, movimentos estes, americanos. Não sei quando foi tirada a fotografia a Restany. Não sei se estava próximo da sua morte, se era um homem crente ou torturado, mas achei-lhe semelhanças óbvias com o São Jerónimo de Caravaggio. Caravaggio era conhecido também pelo seu “tenebrismo”, por ser um pintor das trevas – o que acho que é meia verdade, pois para referenciarmos as trevas temos de ter luz. Se a pintura de Caravaggio fosse só trevas, não podia ser classificada de tenebrismo, mas de uma sucessão de quadros castanhos, negros, azuis escuros… Essas trevas que envolvem São Jerónimo no fim da sua vida são, na minha opinião as mesmas que envolvem Restany no momento em que a fotografia foi captada. Talvez não estivesse próximo da morte, mas acho que se debatia com uma questão incorpórea qualquer, daquelas que faz o cérebro latejar.
Caravaggio
St Jerome
c. 1606
Galleria Borghese, Roma
Pierre Restany
2 Comments:
em cheio!
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ainda não estou em mim. que bom ter voltado. saudades.
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porque sou um piegas, pegue lá um abraço.
e com esta são duas: gosto muito desse quadro do C.
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