quarta-feira, novembro 12, 2008

- o carteiro -

what to wear IV (século XVII)
Como vimos, no século XVI as duas grandes potências em termos de tendências foram a Inglaterra e a Espanha (esta mais no fim do século). E quando se passou para o século XVII os arautos da moda não mudaram da noite para o dia, obviamente. A Espanha, por mais estranho que pareça, continuou a dar cartas nesta luta pela representação de um estilo (que também é uma forma de exercer poder e aumentar a esfera de influência), embora o estilo espanhol tenha evoluído principalmente no abandono do gibão acolchoado (lembram-se daquela peça de roupa que colocava em evidência as "vergonhas"?) e no alargamento das mangas. Como se recordam (espero que andem a ler os posts ou não tem piada nenhuma), a moda espanhola teve influências na Inglaterra e no século XVII é a Inglaterra e a França quem passa a ditar as regras do vestuário, a par dos países baixos ainda que noutro registo devido a questões que iremos abordar. Só para termos uma ideia, na Holanda os rufos (aquelas golas tufadas e brancas), começaram a ser consideradas moda quando no resto dos reinos europeus estava a entrar em desuso. O rufo não só permaneceu como se tornou cada vez maior, o que não deixa de ser paradoxal porque a Holanda fez um grande esforço e lutou com toda a preserverança para se livrar do jugo espanhol, e conseguiu-o, mas depois é totalmente dependente de Espanha no que à moda diz respeito. Repito a imagem do rufo e acrescento que a invenção da goma, visto por alguns puritanos como mais um sinal leviano e hedonista de vaidade permitiu que se abandonassem as armações de arame que tão incómodas deviam ser. No caso holandês, o uso do estilo espanhol prende-se com a sobriedade que a Holanda pretende projectar, dado esta foi a nação-berço do Protestantismo que por sua vez se opunha a toda a opulência da Igreja de Roma, bem como as indulgências e a corrupção na hierarquia da Igreja. O estilo negro e altivo, simples, mas ainda assim imponente, servia os propósitos da nova religião, bem como do novo governo. A Holanda tinha uma forma de governo que mais nenhum outro reino tinha: era governada por uma burguesia próspera que era constituída por um grupo de magistrados e mercados influentes e justos que eram conhecidos como "regentes" (e assim se faz um país!).
Apesar do rufo denunciar um certo puritanismo, os puritanos ingleses nunca o adoptaram. Adoptaram no entanto o uso de cabelo muito curto (entre os homens), próprio dos holandeses, mas que em Inglaterra serviu para marcar o partido da oposição a Carlos I por parte de parlamentares que assim ficaram conhecidos por "round heads". Se numa parte da Europa vigorava o puritanismo e o ascetismo, na Inglaterra e em França era a corte e as mudanças políticas quem ditava a moda. Os roud heads opunham-se, em Inglaterra aos cavaliers, (cavaleiros, partidários do rei D. Carlos I), assim como em França aos mosqueteiros, à guarda privada do rei. O estilo dos três mosqueteiros ilustra bem o que era a moda da época. Esta era composta da seguinte forma: o gibão ficou mais comprido à frente formando um bico e a gola em forma de rufo deu lugar à gola caída rendada. Os calções eram muito largos e presos com atilhos em fole abaixo do joelho, as mangas também eram bastante largas até ao cotovelo, mais ou menos, sendo depois mais apertadas perto do punho, para usar com luvas. Os cavaleiros usavam uma pequena capa pelo ombro, chapéus de abas largas adornado por uma pluma ou uma pena e as botas que adquiriram grande importância nesta época. A grande moda eram as botas afuniladas, com o cano elevado até perto do joelho, mas com a extremidade superior revidada e rendada. As botas eram para montar, mas tornaram-se tão comuns que passaram a ser usadas mesmo para eventos em que o dress code exigia sapatos. Os sapatos eram enfeitados com rosetas enormes e muito caras, feitas com sedas, brilhos e fitas.




O corpo feminino teve alguma liberdade, pois apesar de as peças que uma mulher vestia serem ainda muito elaboradas, a forma dos espartilhos mudou e a pesada farthigale foi substituída por algo mais natural e com isto sentiu-se um alívio das formas corporais bem como uma maior liberdade de movimentos (e provavelmente, menos mortes!). Mesmo os sapatos femininos eram mais simples e ficavam quase escondidos pela saia. Curioso é que a partir daqui as mulheres cobrem em baixo para descobrir em cima. Mais à frente iremos ver como elas se divertiam a enlouquecer os homens, mostrando um bocadinho do tornozelo quando saiam das carruagem e levantam o vestido, quando todo o peito dizia "estou quase a saltar". E eles só reparavam nos tornozelos. Quando o tempo a isso não convidada usavam-se chopines: chopines eram tamancos feitos em madeira e cobertos com couro, usados sob os sapatos ou como substitutos dos sapatos. Eram conhecidos já desde o início do século, pelo menos em Veneza ("O Café" de Godoni, la Dolce Vita" de Fellini falam das constantes inundações), como se sabe pela fala na peça de Shakespeare, Hamlet, quando este diz: "a senhora encontra-se mais próxima do céu do que da última vez que a vi, pela altura de um chopine". As senhoras vestiam um corpete, anágua (uma combinação que ajudava a armar os vestidos) e beca. O corpete era extremamente decotado e amarrado com uma fita na frente. As mangas eram grandes, com cobertura, almofadadas e bufantes. A saia era formada por duas saias, sendo a que estava à vista drapeada para mostrar um pouco a de baixo. Os cabelos usavam-se curtos em cima e depois caíam em cachos ou caracóis.




Mas tudo isto pode variar segundo o início ou o fim do século XII, quando olhamos para as imagens. Por isso deixo algumas imagens que ilustram bem a diferença entre o que se usava no início do século e depois.

Isto acontecia para a moda francesa, enquanto para a moda inglesa havia uma cópia do que acontecia com a moda francesa. Em Inglaterra as mulheres usavam o cabelo da mesma maneira que as francesas, mas o corpete era mais baixo; ou seja, menos comprido e o colo tapado por um lenço de linho ou de um tecido transparente. As mangas eram a 3/4 e adornadas com renda na extremidade. O corpete terminava em bico e era amarrado na ponta com inúmeras fitas que ficavam à mostra. Era um estilo recatado e elegante (sem sabor, para o meu gosto), combatido no entanto por uma estranha moda, que eu pensava ter chegado mais tarde, mas afinal é do século XVII. As senhoras passam a usar no rosto figuras em forma de sinais, de estrela, luas ou mesmo uma carruagem com cavalos que eram recortados de seda ou veludo preto e depois colados no rosto com banha (ugh!).


Em França, com a Restauração levada a cabo por Carlos II a moda triunfou. O que estava na moda era ordem do rei; o que ele usasse ou dissesse que se usava, era o que a corte vestia, o que a burguesia tentava vestir e o que o povo era impedido de vestir. O clero investigava... O que deveria ser uma evolução, do chique (com Carlos I) para o super chique (com Carlos II) foi na realidade uma desilusão pois os gibões passaram a ser curtos e os calções largos, sendo o forro mais comprido que o tecido exterior dos calções que por sua vez eram amarrados na cintura. Os calções eram tão largos que era possível enfiar as duas pernas na mesma abertura. Os calções caíam acima do joelho, as fitas que pendiam da cintura iam até perto dos bolsos, a meio comprimento dos calções e chamavam-se rhinegraves porque tinham sido introduzidos em França por um conde inglês com esse nome. O gibão era tão curto que deixava um pouco da camisa à mostra, e como agora era abotoado à frente, assemelhava-se a um colete com mangas. Como vimos as fitas estavam na moda. Eram tantas e em toda a parte (ombros, punhos, calções) que chegava a ser necessário cerca de 260 metros de fita para compor os calções. Só os calções, por isso imaginem o resto! (ver o filme "Restoration" de Michael Hoffman que em 1995 recebeu o Óscar para melhor guarda-roupa). Quanto às roupas femininas acompanhavam o estilo das masculinas: bastante largas dando até um aspecto descuidado às damas que parecem, como nesta imagem, terem sido apanhadas desprevenidas. Nota-se aqui o abandono do lenço a cobrir o peito e com o tempo, durante o reinado de Carlos II, a moda feminina foi ficando cada vez mais formal: os corpetes continuaram e foram ficando mais apertados, as saias abertas tornaram a aparência mais dura e adelgaçada. No entanto e curiosamente, não foram as roupas femininas que passaram por grandes transformações; no reinado de Carlos II viu-se de tudo. Mal tinha passado um mês do incêndio de 1666 e o soberano mandou dizer que "sua majestade e toda a corte mudaram a moda das suas roupas, a saber, um casaco justo de pano recortado, com um tafetá branco sobre os recortes. O comprimento vai até à barriga da perna e, sobre ele, uma túnica aberta no peito, solta e quinze centímetros mais curta. Os calções com corte espanhol e botas, algumas de pano, outras de couro, porém da mesma cor que a veste ou o traje." (Diurnal de Rugge, 11 de Outubro de 1666). A moda era assunto de Estado e faziam-se reuniões na Câmara dos Lordes para decidir o que se devia usar e como. O rei acrescentou os sapatos de fivela em vez dos sapatos com laço, colocou o rabat de renda ao pescoço e marcou com o chapéu com pluma num estilo que antecipa o chapéu tricórnio. O rabat de renda criou mesmo uma indústria de rendas finas que o rei procurou estimular decretando que só o point de France deveria ser usado na corte, o que era extremamente caro. No final do século o rabat tornou-se mais estreito e comprido. Um dia, na Batalha de Steinkirk os oficiais franceses chamados de surpresa não tiveram tempo de arranjar o rabat convenientemente e colocaram-no dentro do casaco abotoado para não se atrapalharem. Tal virou moda e transformou-se no steinkirk que se assemelha a um lenço torcido em volta do pescoço. No entanto, o rei voltou a mudar de opinião e deixou de lado a túnica recortada que "fazia lembrar um pombo" e optou pela túnica lisa. Vestido desta forma tanto o rei como os demais pareciam muito ter aderido ao estilo persa. Não consegui nenhuma imagem do rei com a suposta túnica lisa, mas as semelhanças com o Oriente a relação com a Pérsia podem ser vistas por dois factos: por um lado o rei recebi notícias da Pérsia graças a Sir Robert Shirley, embaixador da Pérsia no reino inglês e contava ao rei o que via. Por outro lado o rei terá ficado muito sensibilizado com a oferta da ilha de Bombaim como parte do dote de Catarina de Bragança.





Já antes de 1660 os homens usavam acrescentos no cabelo e perucas, mas só a partir daí o exagero tornou-se ridículo. Foram admitidos na corte francesa cerca de 200 perruquiers. Em Inglaterra a moda também pegou e tanto o rei como os seus súbditos mais directos começaram a usar peruca. Era necessário cortar os cabelos muito curtos ou mesmo rapar a cabeça para usar peruca e estas embora fossem caras, desconfortáveis (eram muito pesadas) e necessitassem de manutenção constante, eram consideradas um acessório essencial na vida do século XVII tanto em Inglaterra como em França. E mesmo os soldados, para quem usar peruca era o último desejo, usavam. No final do século era também moda empoar as perucas; ou seja, branqueá-las. Esta era uma prerrogativa masculina, uma vez que as mulheres não usavam peruca. Como aspiravam a um penteado tão imponente como os homens, começaram a usar uma fontange; ou seja, uma espécie de mantilha. Diz-se que o nome foi dado devido a uma amante do rei Luís XIV que um dia, estando com uma das suas favoritas e vendo-a despenteada durante uma caçada, lhe amarrou depressa os cabelos. O rei gostou de ver a amante assim e a moda pegou. Começou por ser uma tira de tecido, depois uma fita com um laço para a frente e os tamanhos foram aumentando até ser necessário, por questões estéticas foi utilizada renda e até mesmo armações em arame de forma que o penteado se tornou tão alto que foi apelidado de "torre" ou "cómoda". A moda tornou-se ridícula e desconfortável a tal ponto que foi abandonada ou então, segundo se conta, o rei "cansou-se". Diz-se que apareceu na corte de Luís XIV uma jovem, Lady Sandwich, que usava o cabelo baixo. E o rei interessou-se pelo cabelo dela...

5 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Beluga,
Ok, daqui não quero nada! (tanto os holandeses/belgas como os espanhois continuam a dar cartas na moda...)
sinto uma enorme empatia pelo o dries van noten

12/11/08 8:08 da tarde  
Blogger AM said...

adoro os concertos de chopines

12/11/08 9:28 da tarde  
Blogger Belogue said...

cara maria:
então não vai levar nada? nem umas chopines agora para a chuva? espanhóis, nem por isso (não sei, não me puxa). Eu vou para Viktor and Rolf. Mas Dries van Noten continua a ser uma óptima escolha. lembro-me de um desfile que era em cima de uma mesa corrida e os convidados, antes do desfile, sentaram-se à mesa a jantar.

Caro AM:
é o AM eo Pedro Santana Lopes. Só que o PSL gosta dos concertos de Chopines para violino!

14/11/08 12:10 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Beluga,
Os Victor & Rolf no inicio gostei, das camisas c/milhoes de colarinhos gostava de ter tido uma ... !dp fui a uma loja deles e tive uma enorme desilusão falta-lhes qq coisa
o DVN não vive no limiar de ataques de criatividade mas é consistente adoro os padroes sobre padroes,cor sobre cor não precisa de espalhafato para se fazer notado !está mais de acordo com a minha caretice ...
é sofisticado sem se tornar embaraçoso !
levo-lhe qq coisita na próximo post... está prometido

14/11/08 2:08 da tarde  
Blogger Belogue said...

Cara Maria:
DVN seja. Próximo post cá estaremos para ver o que cada uma vai levar para o closet.

15/11/08 2:08 da manhã  

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