quarta-feira, novembro 12, 2008

- o carteiro -

"Juan Muñoz: Uma retrospectiva" é o nome da exposição que o Museu de Serralves receberá de 01 de Novembro a 18 de Janeiro, no seguimento de uma associação com a Tate Modern de Londres e o Museu Guggenheim em Bilbao, como com a Sociedad Estatal para la Acción Cultural Exterior de Espanha. Juan Muñoz era natural de Madrid e faleceu no ano de 2007 com apenas 48 anos, não sem antes deixar um legado vasto e abrangente que abarca a pintura, a escultura, o desenho e a instalação. A retrospectiva da obra de Muñoz no Porto faz todo o sentido se tivermos em conta que o artista espanhol ofereceu à cidade as esculturas “Treze a rir uns dos outros” que se encontram no Jardim da Cordoaria.

Juan Muñoz
One Laughing At The Other
2000

Derrick de Kerckhove dizia no seu livro "A pele da cultura" que hoje é muito mais fácil termos como interlocutor num interface electrónico alguém que se encontra a milhares de quilómetros de nós, que não fala a nossa língua, que nunca vimos nem veremos e que desconhecemos por completo, que é mais fácil confiar nesse holograma escrito, do que na pessoa que está ao nosso lado no cyber café, também ela a comunicar com alguém distante. A ideia subjacente a esta referência e que se relaciona na perfeição com a exposição de Juan Muñoz no Museu de Serralves (muito diferente da retrospectiva de Bilbao, na ausência de obras como “Derailment” e na disposição da instalação “Hanging Figures”, logo à entrada, que no museu espanhol se encontrava a maior distância do chão e em espaço mais reduzido) é que para além de nos parecer estranha toda a obra de Muñoz, por ser palpável, identificável, mas impenetrável, essa estranheza é acentuada pela noção moderna daquilo que é arte e pela noção do museu como cubo branco.
A visão darwinista ou mesmo hegeliana de uma evolução de mentalidades e da própria sociedade através da arte, que quase agrilhoou para sempre e em si a arte do século XIX, deu lugar à arte como espelho do ego e também à galeria de arte como lugar sagrado. Relativamente ao lugar sagrado que julgamos profanar quando nos aproximamos das obras de Muñoz, como se estas por si não pedissem a nossa interacção, o próprio artista desmistifica-o. Abrem-se para o interior, como se o museu fosse um enorme saguão e o melhor estivesse do outro lado da parede, janelas, varandas e corrimões enferrujados. Fora do seu contexto talvez não fossem arte, mas bastou o artista espanhol diminuir-lhes o tamanho (obras como “Elevator” e "Spiral Staircase" são disso exemplo), para o visitante se render e deixar de se questionar, embora as obras exijam mais reflexão do que aquela que aparentemente dizem merecer. Também Manet, Magritte ou Caillebotte pintaram varandas, ou como uma visão da esfera privada ou como perspectiva interior do mundo exterior. Estas obras falam sobretudo de solidão, de marginalização, de um mundo à parte e suscitam em nós uma inveja por não podermos penetrar nelas. Parece existir entre as peças um código de entendimento cujas coordenadas não nos foram fornecidas. Um exemplo paradigmático disso é o conjunto de figuras humanas denominado “Many Times”, onde num ambiente de recreio fabril, angustiantemente prolongado para quem vê, vários grupos de seres iguais, com traços fisionómicos orientais, vestidos da mesma maneira e cor, do mesmo tamanho, sorriem (e imagina-se o riso), de algo que desconhecemos. O que torna este espaço angustiante é a nosso superioridade em tamanho, em variedade, em vida (de que estamos imbuídos e aquelas figuras não), não conseguir deslindar qual o leitmotiv para a reunião, qual a razão para sorrirem para se conhecerem e para não nos reconhecerem. O facto de serem asiáticos aumenta a nossa estranheza, mas alerta-nos também para o desagrado social nas tomadas de posição individuais em países orientais.
O próprio estatuto da arte é também questionado embora não seja algo muito evidente. Por volta dos anos 80 já a arte de Muñoz tinha passado de janela para o mundo, para superfície plana e era agora espelho, reflexo do criador, dos seus anseios e desejos. Apesar disso as janelas estão presentes na série “Raincoat Drawings”, tanto nas varandas como numa tela negra que mostra o interior de uma casa a traço branco que lembra muito as pinturas de Hammershøi. Dentro dessa tela existe uma outra onde foram retratados dervixes rodopiantes, monges muçulmanos que dançam uma dança mística com a cabeça inclinada e os braços esticados. Um braço está esticado e aponta para o Céu do qual recebe o Sol, que passa pela cabeça inclinada e desta passa para o outro braço aponte para a audiência. Esta dança significa que aquilo que recebem dão de volta. E entramos na temática do espelho que muito presente está nesta exposição. Em “One figure” um homem olha-se ao espelho, quase encostado a ele. Mostra mais curiosidade no seu reflexo do que preocupação com a aparência e esquece a nossa existência. Nele vê-se reflectido, vê a sala reflectida, mas a sua posição esquece-nos e esquece-se de que o homem e a roupa são um só. Talvez o hábito faça o monge. E com isto voltamos à sala 1 onde vários armários muito semelhantes a cristaleiras (“Crossroads Cabinets”) exibem figuras humanas em miniatura como se fossem bibelots (aliás, têm a textura do vidro), figuras essas que se olham ao espelho, bem como ex-votos numa atitude do artista que faz lembrar muito os avessos de Rachel Whiteread.
O ser humano retratado vive em comunidade ou muito centrado nas suas circunstâncias. Fala sozinho para a parede, mas numa outra sem ligação a esta, uma mulher balão (com o corpo como um copo teimoso), escuta. Claro que não o ouve. Estes são seres que, ou se entendem muito bem, são cúmplices e partilham experiências incompreensíveis para quem a esse mundo não pertence, ou se isolam, ou até mesmo não se entendem. Note-se no piso de cima a instalação “Stuttering Piece”. Somos chamados até ela pelo som de um diálogo que vem de uma sala parcialmente na penumbra. No entanto, o volume do diálogo não corresponde à dimensão das personagens uma vez que estas são muito pequenas. Estão sentadas lado a lado, mas de rosto voltado e encetam o seguinte diálogo que ouvimos constantemente em repetição: “What did you say?”, “I didn’t say anything.”, “You never say anything.”, “No, but you keep coming back to it.”

3 Comments:

Blogger AM said...

excelente e sábia posta

12/11/08 9:31 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

fez-me lembrar a alegoria da caverna !

13/11/08 12:42 da manhã  
Blogger Belogue said...

Caro AM:
uma boa posta, mas um texto recusado (enfim, nem tudo pode ser bom. pelo menos tenho consciência de que foi um bom trabalho)

14/11/08 12:12 da manhã  

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