- o carteiro -
A revolta dos mil-folhas e das bolas de Berlim ou, a incredulidade:
Podem pensar que este post é uma implicância, implicância com uma minudência, uma coisa menor, sem importância, mas não vou deixar passar em branco (neste caso em preto e mesmo que ninguém leia podem já crer que o faço por catarse pessoal) o que vi e ouvi no programa "Portugal em Directo" transmitido pela RTP1 no passado dia 3o de Outubro. Deixo o vídeo para sentenciarem por vocês, mas passo a explicar. O programa abre com a apresentadora a dizer"pastelaria com design". Comecei logo a coçar aqui atrás, na cabeça e a fazer aquela cara: não há objectos com design ou objectos de design, assim como não há pastelaria com design. O exemplo melhor é o da natureza em que tudo trabalha em prol de maior eficácia e proveito: as folhas que colhem as gotas de orvalho, as garras dos predadores, o corpo dos ursos polares preparado para o frio... O que há é redesign de objectos ou styling, algo que começou há muito tempo, na década de 30 do século XX.
Quando se fala em pastelaria com design o que na verdade se devia dizer era que (e é todo o conteúdo da reportagem que me parece condescendente por nos passar um atestado de incompetência para avaliar, dando como boa e obrigatoriamente aceitável uma coisa que não o é) um grupo de jovens designers resolveu redesenhar alguns bolos na nossa pastelaria. E quando digo "nossa" estou a ser generosa e já veremos porquê. A Rita João, o Pedro Ferreira e o Frederico Duarte são três designers que vivem em Nova Iorque. Dizem, na reportagem, e por viverem longe de Portugal, ter saudades dos bolos portugueses. Vai daí, como se uma coisa tivesse a ver com a outra, resolverem actualizar bolos da nossa pastelaria dando-lhes uma practicidade que não tinham (palavras deles) e recuperar algumas receitas esquecidas. Mas esta ideia é autofágica. Os bolos a actualizar e tornar "mais práticos" eram o mil-folhas e a bola de Berlim. Quanto ao mil-folhas, desenharam-no mais estreito, para quando uma pessoa desse uma dentada não se sujasse com o recheio, o creme e a massa folhada. Pois eu tenho uma solução melhor: pedir o mil-folhas com a largura em que existe e, se realmente a pessoa está preocupada no quanto se vai sujar pede à menina que o atender "olhe, não se importava de cortar o mil-folhas na longitudinal?". O mil-folhas desenhado por estes jovens designers chama-se "mil-folhas finger"; ou seja, é dado um nome inglês a um bolo que é francês, que está na nossa pastelaria com várias adaptações e do qual os nossos designers sentiam saudades porque estavam em Nova Iorque. Wow, cosmopolita, não? O outro bolo em questão era a bola de Berlim. A reportagem não mostra, mas presume-se, por aquilo que é dito que se desenhou uma nova bola de Berlim com uma incisão diferente para o creme ser introduzido no interior do bolo, isto porque as pessoas se sujam com o creme da bola de Berlim que sai todo quando trincamos a bola. Só deixo duas perguntas. Não faz parte dos alimentos, destes pelo menos, que uma pessoa se suje? Não é daí que vem a palavra "lambuzar"?
Isto até podia ter algo de divertido se não tivesse ainda mais de subversivo e propagandístico. É que ao actualizar com estas incisões e novas medidas os bolos existentes, está-se a esquecer como é que eram os bolos originalmente. Ora como podem os jovens designers pretender recuperar a pastelaria tradicional (reintroduzindo bolos que estavam esquecidos) se ao mesmo tempo com as actualizações estão a votar ao esquecimento o mil-folhas tradicional e a bola de Berlim? Tenho a certeza que se a ideia pegar, daqui por uns anos, um outro jovem designer irá redesenhar a bola de Berlim e o mil-folhas para o seu formato original na tentativa de recuperar as tradições da nossa pastelaria. E assim andaremos. Para actualizar a pastelaria portuguesa, o trio de designers (a quem foi dada a oportunidade de expor este trabalho no MUDE - Museu do Design e da Moda em Lisboa talvez porque o seu currículo vago não é suficiente para abafar a expressão "designers em Nova Iorque"), recriou outros bolos como o Pagode. Como o nome indica e pode ser visto na reportagem, é tudo menos prático.
O que está errado em tudo isto não é os designers quererem dizer que foram muito inovadores, que são muito criativos. O que está errado é a televisão, que não fez os trabalhos de casa e "mete tudo no mesmo saco", vender-nos isso como algo de maravilhoso retirando-nos a possibilidade de questionar.
8 Comments:
Tudo é pobre. O programa, a apresentador, a reportagem, e a repórter...já para nao falar nos designers que pensam que vieram salvar Portugal só porque resolveram fazer uma "tempestade cerebral" acerca de bolos com outros amigos (provavelmente designers), e decidiram repensar a forma e o "uso" dos bolos e, assim, criar uma nova oportunidade de mercado (nao me digas que trabalham na IDEO em NY!!)
Diz o outro para o Pedrita(Pedrita é um designer de 2 cabeças)
"Pedrita, Pedrita! Man, tenho uma ideia genial! Vamos fazer bolos com design pra que o pessoal fique com menos 1g de creme na boca cuando come!".
Bitch, please!
qq dia qd alguém falar na palavra "design" começo aos berros !!!!
"We showed them what to do, What the hell went wrong?"
- Mies Van Der Rohe
áááácida. mas em grande. boa!
pastelaria (fina) miniatura no Mude... mas que bem que eles estão (uns para os outros)
what went wrong, fomos todos nós, maria, a começar pelo velho homem novo correctamente "designado" e a acabar no próprio Mies dos últimos dias...
Eu se fosse a estes 3 meninos redesenhava um certo esfíncter que eu cá sei... pelas mesmas razões, claro... Raça da canalha...
não concordo.
Caro Q:
"póbre, póbre, bibes num anéxo". esta ideia dos bolos finos e pequeninos para a boquinha não ficar suja, merecia mesmo uma ensaboadela com sabão Carlos Aguiar. Eu não gostava dele, mas que ele meteria estes tipos na linha, não tenho dúvidas.
Cara Maria:
o que é que veio primeiro? o design ou a arquitectura? é como o ovo e a galinha.
Caro João Barbosa:
ácida quase nunca
doce quase sempre
em grande, tem dias
Caro Am:
coitados dos bolos que não têm culpa, mas aquilo foi um vómito do princípio ao fim.
Caro bad to the bone:
não compreendi. com o que é que não concordas?
Beluga, o primeiro comentário é meu. O segundo é da laranja metade. Uma troca de identidade... ehehehh
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