terça-feira, novembro 04, 2008

- o carteiro -
what to wear II (Idade Média):
Agora é que as coisas complicam pois deixa de existir um Império só, uma só moda para passar a haver mais, tudo graças aos povos bárbaros que desde sempre rodearam Roma. Se não foram influenciados pelos teutões que usavam trajes de cânhamo compostos por calções ou calças largas sob a túnica (o que para os romanos era um escândalo), foram influenciados pelos godos que eram de origem escandinava. Os Ostrogodos influenciaram a zona da Rússia, enquanto os Visigodos influenciaram a Espanha e áreas circundantes. Os Lombardos fixaram-se no Norte de Itália e caracterizavam-se no vestuário por envergarem túnicas de linho com pele nas mangas, aproximando-se cada vez mais do estilo romano. Mas havia mais tribos invasoras do Império Romano, que de vez em quando saqueavam Roma e que foram alterando tanto a geopolítica como a forma como as pessoas se vestiam e tudo o que isso implica. Do Oriente chegaram os Hunos, mais precisamente, da Mongólia e no século IV d.C. já estavam em Roma. Na antiga Gália, actual França, os francos (originalmente teutões) dominavam graças à sua dinastia Merovíngia (que depois deu origem à Carolíngia). O que sabemos relativamente ao vestuário destes povos, sabemo-lo por um triste hábito: os povos invasores tinham o costume de enterrar os seus mortos, ao contrário dos povos que se foram romanizando que por seu turno tinham o costume de queimar os mortos. Juntamente com os corpos enterravam-se os seus pertences (como de resto faziam os romanos, colocando no túmulo uma lucerna para iluminar o morto e uma moeda na boca do cadáver – creio que era na boca – para este pagar a sua “passagem” para o mundo dos mortos) e por isso descobriu-se que durante a dinastia Merovíngia na Gália era comum o uso de uma túnica de linho fino pelos joelhos (gonelle), bordada nas mangas e na bainha e amarrada com um cinto. Para quem ia para a guerra combater e tal como vimos nos soldados gregos e romanos, a protecção era preferida e por isso a túnica era feia de um material mais resistente e coberta de placas de metal. Foi mais ou menos por esta altura que os homens passaram a usar calções ou braies que eram calças pelo tornozelo presas à cintura por um cordão e com diferenças para ricos e pobres. Os nobres usavam-nos justos e os pobres, folgados. Por vezes os calções eram usados com ataduras nas pernas presas em espiral (chausses) e feitos de lã ou linho pois o tricot era desconhecido. Ao longo do tempo o tamanho destas ataduras foi crescendo, passando do joelho para o meio da perna e estendendo-se por vezes como um estribo sob a planta do pé. Quanto mais as meias subiram, mais os calções diminuíram e por isso transformaram-se em cuecas.




Relativamente ao vestuário feminino, sabe-se que as senhoras usavam uma túnica comprida e com faixas bordadas que se chamava stola, usavam broches e cintos de couro e drapejavam nos ombros um lenço chamado palla. Curiosamente, nada de casacos nem agasalhos para os braços ficando estes nus. Não havia o costume de usar chapéus: homens e mulheres usavam os cabelos compridos bem como as crianças, mas as mulheres tinham, quando casadas, de prendê-los e cobrir a cabeça ou com uma espécie de turbante ou com um véu muito longo.

Com Carlos Magno e a dinastia Carolíngia o período que se vivia na Europa era de grande estabilidade e por isso o luxo aumentou principalmente na corte: tecidos importados do Oriente, túnicas bordadas a ouro, sapatos com pedras preciosas. No dia-a-dia os nobres que compunham a corte vestiam-se de forma bem mais modesta e o próprio Carlos Magno também. Usavam túnicas de linho ou lã e por cima túnicas mais elaboradas, bem como calções e ataduras cruzadas do joelho para baixo. No Inverno (eu continuo sem perceber como é que esta gente não tinha frio), colocavam sobre os ombros uma capa circular, forradas em pele e que prendiam com um broche. Mas isto era o que se passava na dinastia Carolíngia.

Em Inglaterra, Offa, rei da Mércia e os reis seguintes usaram trajes mais simples. O que os distingue é o luxo (muito menor em Inglaterra) e o uso de túnicas mais curtas, talvez acima do joelho. As senhoras, essas sim, protegidas do frio e da maledicência, usavam túnica comprida, sobre-túnica comprida, cinto e manto tão comprido quanto a túnica a apanhado no queixo. Com a conquista normanda as coisas alteraram-se e os ingleses afrancesaram-se na apresentação. As Cruzadas tiveram um papel fundamental na alteração do modo de vestir Ocidental pois as mesmas permitiram o contacto com o mundo muçulmano. Não foi a primeira vez que tal aconteceu, até porque havia comércio com o Oriente antes do século XI e quando conquistaram a Sicília, os normandos depararam-se com um povo muito mais evoluído do que eles tanto em conhecimento como em artes, de tal forma que o povo invasor ficou fascinado. Tratou de providenciar tratamento especial aos artesãos e estes passaram a trabalhar muito para a corte que de Ocidental no Oriente se transformou em Oriental no Oriente, tal era o luxo. Em Espanha, a conquista gradual das terras antes ocupadas pelos mouros teve uma boa recompensa em jóias e tecidos finos, muito melhores do que os existentes na Europa Cristã. Os cruzados trouxeram para o Ocidente os hábitos (nos dois sentidos), muçulmanos e não estranhem pois as mulheres europeias chegaram mesmo a adoptar o véu que cobria não o rosto inteiro, mas a parte inferior. Por outro lado, e aqui é que começou a verdadeira revolução, começaram por apertar os vestidos de lado e com botões de forma a evidenciar o busto e adoptaram as mangas compridas mas muito largas e abertas junto dos punhos.

O século XII trouxe poucas modificações de fundo no vestuário, excepto no que diz respeito aos chapéus: o capuz que anteriormente fazia parte da capa, passou a ser independente, amovível presa a uma capa mais pequena que cobria os ombros. Também se passou a usar mais chapéus como o “frígio”, chapéus de abas largas e cobria-se a cabeça, homens e mulheres, dentro de casa, com uma espécie de toucado muito justo que apertava debaixo do queixo.

Nas classes altas a roupa feminina sofreu mais modificações. Do vestido justo no peito passou-se para o corpete até à anca, sobre a túnica mais decotada e justa, abrindo em locais estratégicos como as mangas e atrás, em comprimento, formando uma cauda. O véu era usado preso a testa por uma fita de ouro a toda a volta da cabeça. Para não ficar tudo demasiado despudorado as senhoras completavam a toilette com a barbette, uma tira de linho que passava sob o queixo e era apanhada nas têmporas, ou então o gorjal que cobria o pescoço e o decote e era muitas vezes metido mesmo dentro do corpete.

Mas como já vimos é nesta altura que começa mesmo a moda; ou seja, que mulheres e homens usam o vestuário não apenas para se cobrirem e aquecerem, nem para afirmação social, mas também (e este era o ponto em falta) para realçarem o melhor do seu corpo. As mulheres mudam o seu gibão que passa a ser acolchoado à frente para dar mais volume ao peito e tornou-se mais curto do que era habitual de tal forma que o tamanho foi censurado pela moral da época. Nas classes altas as senhoras usavam por cima do gibão um côte-hardie que mais não era que uma sobre-túnica, mas mais decotada e justa, com aberturas laterais. A côte-hardie das classes mais baixas era mais larga pois não tinha botões à frente como nas classes mais altas. As mangas eram justas até aos cotovelos e depois abriam de tal forma que era possível chegarem até aos pés. Mas mesmo assim, as mulheres vestiam-se de forma menos extravagante que os homens.


Mas mesmo assim, as mulheres vestiam-se de forma menos extravagante que os homens. A partir do momento em que a mulher decide mostrar o decote, quase não há retrocesso, bem como em relação ao véu. As cabeças cobertas, que até ao século XIII eram a norma passaram a ser apanágio de freiras e viúvas e as mulheres comuns, das diferentes classes que até aí usavam véu, abdicam dele para mostrar penteados cada vez mais complexos até ao final do século XV. O cabelo usava-se preso com uma rede (fillet), o que foi uma inovação porque domava o cabelo, mas mostrava-o ao mesmo tempo e também com tranças laterais. O véu, quando usado não fazia completamente as vezes de um véu pois servia apenas para a parte de trás da cabeça. (Note-se que havia grande diferença entre o vestuário do Norte da Europa e o vestuário italiano, principalmente ao nível dos sapatos do homem e dos penteados das senhoras. Em Itália os cabelos usavam-se soltos, em tranças; no Norte da Europa usava-se preso e tapado por um véu. Surgiu no final do século XIV a moda de acolchoar o cabelo; ou seja, enrolá-lo no rolo, acima das orelhas numa forma que se chamava temporais. Às vezes o efeito era tão exagerado que a distância entre as duas temporais era o dobro da largura do rosto. Era também comum as senhoras raparem as sobrancelhas e arrancarem com pinça, um por um dos cabelos que cobriam a testa na tentativa de se aproximarem das esculturas clássicas. (Auch!) Nos chapéus destaca-se o hennin ou campanário, muito usado em França e que se caracterizava por ser em bico, muito à semelhança das fadas dos contos.



Até 1380 os homens usavam capuz com uma aba pendente, até que alguém teve a ideia de enrolar, como um turbante, o tecido à cabeça e a aba pendente dava a volta ao queixo e em cima da cabeça. No geral, os adornos para a cabeça foram o tipo de acessórios que mais evoluiu durante este período: todas as classes sociais tinham chapéus ou penteados próprios e as pequenas variações em tamanho ou forma de uma aba ou de uma tira de tecido denunciavam a classe social de cada um dos seus utilizadores.

Para terminar; os pés. Os sapatos masculinos que estavam muito mais à vista do que os femininos tinham muita importância. Aquando das Cruzadas, o homem ocidental teve a oportunidade de se cruzar com o luxo oriental que privilegiava o uso de sapatos pontiagudos e com a ponta enrolada para cima. Esses sapatos eram conhecidos por crackowes ou poulaines, termos esses que vinham por causa do casamento de um rei Polaco com uma rainha inglesa de “Cracóvia” e “Polónia”Em meados do século XV os sapatos eram tão pontiagudos e usados, sem pejo por todas as classes sociais quebrando assim as leis sumptuárias que foi necessário emitir uma lei que regulasse o seu uso. Esta dizia “nenhum cavaleiro com título de lorde, escudeiro ou cavalheiro, ou qualquer outra pessoa usará sapatos ou botas com pontas excedendo o comprimento de 5cm, sob pena de multa de 40 pence”. Esta medida foi ignorada e anos mais tarde o comprimento das pontas dos sapatos chegava a 45cm ou mais.

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

fico com esperanças que um dia volte a moda da barbette !

4/11/08 1:44 da tarde  
Blogger João Barbosa said...

gosto dos sapatos do duque de Lencastre e do chapéu do D. Henrique

4/11/08 4:19 da tarde  
Blogger AM said...

bravo beluga!
ainda melhor que a Trinity e a Susannah
venha a renaissance!

4/11/08 7:55 da tarde  
Blogger Belogue said...

Cara Maria:
eu gostava que voltasse o henin (seria engraçado estar no supermercado e alguém dizer: "olhe, tem o bico do seu henin espetado no meu olho". ou tentar andar de henin e guarda-chuva.

Caro João barbosa:
é tudo Prada que eu não faço por menos. Prada e Victor and Rolf

Caro AM:
para falar a verdade, prefiro a Stacy e o Clinton. eis a renaissance!

7/11/08 12:33 da manhã  

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