- o carteiro -
what to wear III (Renascimento)
Como vimos anteriormente, existia uma diferença entre a forma de vestir dos italianos e a forma de vestir do resto da Europa medieval. Mesmo em termos arquitectónicos, o gótico nunca vingou em Itália, à excepção daquela fantástica, lindíssima, maravilhosa e esmagadora Catedral de Milão. Vimos também que isto acontecia tanto para homens como para mulheres. Embora fosse moda, entre as damas, ter a testa muito descoberta sem cabelo algum, os penteados em Itália caíam livremente pelos ombros ou eram presos naturalmente. Já nos Países Baixos, por exemplo, os cabelos eram enrolados de forma a fazer volume e depois eram cobertos por véus. As mangas também eram diferentes: no Norte da Europa eram ajustadas e em Itália eram largas, em balão muito ornamentadas (reflexo do luxo que a Itália vivia), com aberturas através dos quais era possível ver a chemise branca (era quase a mesma coisa que usar uma blusa branca muito fina com um soutien branco, novo, por baixo. nota-se tudo e o que não se nota, imagina-se!).
Na prática, foi a moda italiana que se espalhou para o resto da Europa, mas em alguns reinos, o estilo em questão teve alguns arautos como em Inglaterra, por exemplo. Em Inglaterra o papel coube a Henrique VIII: tudo começou a "abrandar", a não acompanhar a arquitectura, por exemplo. Os penteados femininos diminuíram em altura tal como os arcos se tornaram abatidos, os homens mudam da tradicional linha vertical, muito relacionada com o gótico, para as linhas horizontais, os sapatos passam de pontiagudos como os pináculos para redondos.
A moda dividiu-se em dois grandes pólos: a Itália e a Alemanha. Os países como a França e a Inglaterra foram influenciados pela forma de vestir alemã enquanto a Itália permaneceu fiel a si própria. Isto deverá ter ficado e dever-se à vitória dos suíços frente a Carlos, o Temerário. Tecidos e outros materiais ficaram nas mãos dos suíços que os usaram para remendar as suas próprias roupas (é por isso que as imagens que aqui apresentamos lembram muitos os trajes da guarda suíça. De facto o uniforme da guarda Suiça é assim devido a esta história). Em seguida os trajes suíços foram copiados por mercenários alemães, dai para a corte francesa e com o casamento Maria de Inglaterra com Luís XII de França, a moda passou para a Inglaterra.
É claro que quando isso aconteceu a roupa que se usava na corte não era remendada, tinha já um nome próprio: landsknecht que quer dizer "roupa recortada" e consistia em recortar os tecidos e puxar a através das aberturas, os forros, de outros tecidos. Em certos casos como no caso alemão, a moda foi levada ao exagero de tal forma que os calções masculinos eram feitos de tiras. As tiras podiam ser de cores diferentes e atingir 1,10m de comprimento, o que dava um ar tufado. As mangas acompanhavam esta tendência e eram muitas vezes almofadadas e duplas. Pode até pensar-se que se era assim para os homens, como seria para as mulheres, mas a verdade é que as mulheres por exigências morais, não podiam mostrar as pernas, logo as suas saias e vestidos eram compridos e sem recortes. O único sítio onde a roupa feminina tinha recortes era nas mangas e para compensar a ausência de recortes na saia, esta parte era decorada e bordada como nunca. E para as senhoras o decote era quadrado e bastante pronunciado ficando à mostra uma parte da chemise que supostamente era uma peça interior. Para os senhores também não faltava decote com a parte de cima da camisa a aparecer. Fazia-se grande uso de peles como a de lince, lobo e zibelina e de tecidos mais dispendiosos como o veludo, o cetim e a pano-ouro, bem como de cores vivas como azul, vermelho, púrpura e dourado. O vermelho era mesmo a cor preferida e até as classes mais baixas, não obstante as proibições, usavam-no. Aliás, durante a Revolta dos Camponeses na Alemanha, uma das exigências era liberdade para usar roupas vermelhas, a par de reivindicações bem mais pertinentes.
A principal peça de vestuário masculina era o gibão que podia chegar até aos joelhos, quando na Idade Média se usou muito curto! Tinha uma característica curiosa: possuía, à frente aquela abertura para a codpiece que lhes dava um ar um bocadinho sado-maso, mas tudo bem, cada um sabe de si. Sobre o gibão usava-se uma jaqueta com abotoamento ou amarrada por cordões e por cima a beca que era ampla, larga e adornada nas extremidades com pele. As meias e os calções eram cosidos juntos e amarrados ao gibão por pequenos laços. Os sapatos que no início eram pontiagudos passaram a ser redondos, mas como sempre o exagero levou a que eles fossem redondos a tal ponto que passaram a chamá-los "bico-de-pato". Tal como as roupas, também os sapatos possuíam recortes e brocados. Os chapéus, para os homens, eram como boinas com abas, muito confortáveis e podiam ser adornados puxando a aba da frente do rosto para cima e prendendo-a com uma jóia. Aliás, o gosto por chapéus, que vinha da Idade Média prolongou-se no Renascimento tendo cada classe e faixa etária um chapéu adequado à sua condição. Um outro hábito que não se perdeu foi o de cobrir a cabeça com uma touca de linho apertada no queixo, embora esse acessório tenha ficado para uso de advogados e homens mais idosos. O cabelo usava-se comprido e até 1535 a barba era raspada. Em 1535 o rei ordenou que na corte os cabelos fossem cortados e que se deixassem crescer as barbas, começando o próprio por dar o exemplo.
As vestes dos camponeses e das classes intermédias era diferente, mas todos usavam um sobretudo com a forma de batina, sem mangas ou com mangas (quando tinha mangas era usado apenas a cobrir os ombros) e com corrente de jóias em volta do pescoço. O seu nome era Schaube. Tornou-se o traje típico do académico e foi adoptada por Lutero, passado mais tarde a fazer parte do hábito do clero luterano.
Por volta de 1550, 1570, tudo mudou e o estilo alemão que prevalecia até aí deu lugar à moda espanhola, mais sóbria e elegante e quase sempre preta. A corte espanhola foi adquirindo poder efectivo e ganhou também admiradores. Até Henrique VIII acabou por seguir a moda e usar preto (se usasse pelo luto das mulheres que mandou matar, não lhe chegava uma vida). E quando Maria Tudor subiu ao trono a tendência foi enfatizada, até porque Maria Tudor, a Bloddy Mary, casou com um rei espanhol, logo, ficou a moda toda em família. Mesmo quando Elizabeth subiu ao trono e entrou em guerra com os espanhóis, a moda permaneceu. A nova moda de origem espanhola agora adoptada pela corte inglesa com algumas modificações privilegiava as mangas acolchoadas (de trapos, crina de cavalo, farelo e algodão, com vista a retirar todos os vincos), as cinturas muito finas graças ao espartilho, mesmo nos homens, e o tricot, que foi a verdadeira novidade. Note-se que a rigidez que estas figuras provocavam coincide com a rigidez e austeridade que a corte tentava projectar de si mesma. Quando se abandonaram as roupas fluidas foi quando se projectaram grandes impérios. Nota-se também que nesta altura o retrato de membros da aristocracia é quase sempre feito em pé, numa posição hierática e firme, com um pé ligeiramente à frente do outro. Para este ar altivo contribuiu e muito o rufo; ou seja, a gola folhada ou até meia bola que muitos membros da nobreza usavam. Havia rufos escandalosos de grandes que deviam dificultar muito a vida e havia outros que mais modestos, deixavam muito do peito à mostra. Estes últimos tinham como objectivo tornar a mulher poderosa ainda assim atraente, e esse era o caso da Rainha Elizabeth I. Foi ela quem espalhou a moda dos rufos abertos à frente para se ver o decote, mas altos atrás como forma de alinhar o corpo e conferir alguma dignidade ao figurino. Na segunda metade do século XVI essa necessidade de rigidez no vestuário tornou-se ainda mais evidente principalmente no traje feminino que graças ao uso de corpetes feitos de papelão e mantidos no lugar por barbatanas feitas de madeira (que não acompanhavam o movimento do corpo), mantinha as senhoras completamente direitas. Infelizmente o traje também lhes trouxe problemas de saúde e deformações físicas irreparáveis e algumas, mortais. A saia armada era conhecida por farthingale. Consistia num cone de tecido a cobrir arcos de arame, madeira ou barbatanas de baleia e que iam decrescendo em tamanho dos pés para a cintura. Havia várias versões: a farthingale inglesa tinha depois umas "anquinhas" nada cómodas, a fathingale francesa era circular e mais simples, a farthingale italiana era usada com um acrescento atrás.
No traje masculino, também algo mudou com o passar do século e foi o uso do mandeville que era mais ou menos um casaco, com mangas falsas, aberto lateralmente nas costuras, abotoado da gola até ao peito e usado de lado. As meias também mudaram porque se até aí estavam presas ao gibão, agora passaram a ser meias-calça, costuradas aos calções. Os sapatos mantiveram-se arredondados mas adquiriram tacão, as botas que até aí eram só para montar assumem protagonismo e fazem agora parte do vestuário, sendo a versão preferida aquele que este Inverno também está na moda e que vai até acima do joelho. As luvas de couro fino começam a ser utilizadas em Inglaterra antes de 1580, mas só aí é que a Inglaterra as começa a produzir, uma vez que mandava vir esses acessórios de Espanha. O grau de sofisticação atingido no final do século XVI era quase embaraçoso.
3 Comments:
obrigada Beluga ! já sei o que vestir neste fim de semana !
vou correr a comprar um corpete ao Filipe Faisca visto não ter libras para um da V.W.
hoje, ser sofisticado não têm nada de embaraçoso !
mas olhe que um V.W ficava a matar, "maila" coroazinha by appointment...
Beluga, adorei o texto, era isso que eu estava procurando. A propósito, será que vc pode indicar algum livro ou texto que detalhe a vestimenta dos estudantes italianos e portugueses entre os anos 1550/60??? Obrigada.
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