segunda-feira, outubro 13, 2008

- o carteiro -

"ars artium, ars amoris" (A arte das artes é a arte do amor):
Como já foi dito aqui uma vez, a ideia de que existe uma relação directa entre a originalidade e produção de um artista e a sua vida íntima, sendo que quanto mais devassa e miserável esta ultima fosse, melhores e maiores seriam as duas primeiras, não corresponde sempre à verdade e sabemos de muitos exemplos em que uma existência desafogada e feliz foi coetânea de uma produção louvável. No entanto há de facto, não se pode negar, existências onde isso não aconteceu. Este post poderia ser um "antes e depois", mas hoje e porque me apetece é um "carteiro". A diferença é que neste post se faz uma reflexão sobre a vida de Rembrandt atendendo ao seu rosto em diferentes pinturas.

Com cerca de 24 anos Rembrandt tinha tudo para ser um grande pintor (em morte) e bem sucedido na vida (... em vida). Era um jovem ávido e procurava desvendar todos os segredos da pintura. Pintou-se, talvez por isso, inúmeras vezes e como um actor, conferiu ao seu rosto as diferentes expressões que poderiam tornar cada quadro um desafio ainda superior ao anterior. Procurava sempre superar-se. Quando o êxito permite a estabilidade necessária o pintor estabelece-se em Amesterdão e, ou por essa sua sede de conhecimento ou porque sucesso gera confiança e bons presságios, Rembrandt conhece a mulher que lhe dá a "volta ao miolo": Saskia. Com ela casa e com ela tem um casamento feliz, tanto porque ela é a sua posse, mas também porque foi um casamento por amor. Neste célebre quadro em que se pinta com a mulher sentada nos seus joelhos e a enlaça pela cintura como se ela fosse algo seu, Rembrandt resplandece de alegria. Estava com 34 anos e embora não estivesse na "flor da idade" pois a esperança média de vida era mais reduzida, ainda era um homem novo com muito para gozar. Ergue mesmo um copo de vinho como se nos estivesse a brindar com a sua alegria e até a mostrar que não a podemos ter, que este tipo de felicidade estava reservada apenas para alguns. O prato de comida que o espera é sumptuoso e alerta os sentidos, bem como a sala onde Saskia e ele se fazem representar. Assim como em outras ocasiões se retratou com um fato oriental, aqui ostenta uma vestimenta de cavaleiro, de conquistador: espada, armadura e o gorro adornado com penas brancas.

Rembrandt
Rembrandt and Saskia in the Scene of the Prodigal Son in the Tavern
c. 1635
Gemäldegalerie, Dresden
Foi nesta altura que descurou o público; o público que pagava pelas suas obras. Vira-se cada vez mais para o seu prazer na vida e na arte e eis que o azar lhe bateu à porta: vê morrer um filho, uma filha e em seguida a mulher. Mais voltaria a encontrar alguma felicidade no amor junto da sua governanta Hendrickje Stoffels, mas a união, da qual resultou uma filha, não foi bem aceite pela comunidade protestante bem como pela Igreja, que acabou por excomungar Hendrickje. Por esta altura já as suas posses eram reduzidas e o quadro em baixo ilustra bem como o pintor deveria estar preocupado com a situação familiar e financeira. Foi pintado aproximadamente no mesmo ano em que Rembrandt teve de declarar estar falido, e é notória a diferença entre a alegria de outrora e a preocupação daquela época. Pese embora a idade e os reveses, Rembrandt não deixou de pintar, mas o seu rosto está sulcado de rugas, o olhar ausenta-se. E como se isto não fosse suficiente, tanto a companheira como o seu filho legítimo, o filho do casamento com Saskia falecem antes dele. Só Cornelia lhe sobrevive.
Rembrandt
Little Self-portrait
1656-58
Kunsthistorisches Museum, Viena

Conta a história que o pintor grego Zeuxis morreu a rir e de rir: um dia estava a pintar o retrato de uma mulher muito feia, começou a rir, engasgou-se e morreu. Rembrandt pintou até aos últimos dias da sua vida e este retrato mostra-o no ano da sua morte (ou um ano antes) a rir-se. Não é o riso saudável de um homem que vê uma mulher muito feia, nem um riso para a tela, mas antes uma chamada da loucura e da morte. É uma alegria como um "canto do cisne", talvez fruto de algum químico no vinho ou apenas a consciência de ser, no momento em que se retrata, uma sombra daquilo que já foi. Na recta final do combate perdido de antemão, Rembrandt mostra-se como um louco, mas um louco que não abdica de mostrar que é um louco triunfante.

Rembrandt
Self-Portrait
1668-69
Wallraf-Richartz Museum, Colónia

2 Comments:

Blogger João Barbosa said...

pois, sabe como é, Rembrandt e tal... gosto muito e coisa e tal... pois que gostei muito, curti larguete

13/10/08 12:21 da tarde  
Blogger Belogue said...

humm... fiquei com a sensação que não gostou. paciência! larguete, bués, fixone a barril deveriam ser termos recuperados!

16/10/08 1:26 da manhã  

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