- ars longa vita brevis -
hipócrates
antes e depois ou "como a primeira imagem está tão escurinha que até vos dá legitimidade para duvidar. Mas e mesmo um antes e depois. No primeiro quadro, no original de Gericault, diz-se (dizem os críticos) que se marca o momento em que a pintura encontra o feio e o retrata. Ora isso não é verdade. Estou a lembrar-me do El Greco! Ok, estou a brincar. Lembro-me por exemplo da “Cabeça da Medusa” do Caravaggio que para alem de marcar o encontro com o feio, com o terror e com a morte, marca encontro com a morte em tempo real. A Medusa ainda olha para nós, mas da sua cabeça abandonada no chão jorra sangue. Por isso não concordo com o encómio a Gericault, até porque me parece demasiado só em 1818 tal feito acontecer. Retrata, isso sim um episódio trágico da história francesa: o naufrágio da fragata Medusa (também com esse nome, era certo que a coisa não ia acabar bem!) que saiu de França para um exposição no Senegal e foi dada com perdida em 1816. Os franceses foram acusados de negligência por terem dado o comando da fragata ao francês Comte de Chaumareix, um refugiado político que não comandava uma expedição há mais de 25 anos. O mais terrível no naufrágio foi o abandono da fragata Medusa com 149 tripulantes lá dentro tendo estes apenas como provisões alguns barris de vinho. È sabido que o vinho e o desespero não são bons conselheiros e por isso seria de esperar, morte, embriaguez e muita tragédia humana fruto de actos menos nobres. Quando a fragata Argus encontrou finalmente a Medusa ao fim de alguns dias apenas consegui salvar 15 pessoas e dessas, 5 morreram quando chegaram a local seguro. Para pintar este quadro Gericault focou-se no momento em que a Medusa é encontrada e pinta-a do ponto de vista que os tripulantes do Argus teriam da mesma. Diz-se também que terá alugado um quarto perto do hospital Beaujon para poder analisar e aprofundar a anatomia dos corpos mortos Quando apresentada no Salão de Pintura, a obra foi um enorme sucesso, não pela técnica, mas pelo tema. Porém, A pintura nem sequer foi adquirida pelo governo, o que atesta o incómodo que a mesma era.
Géricault, que se encontrava agora sem dinheiro e com uma pequena mina de ouro entre as mãos sem ter quem a quisesse adquirir, resolveu rumar a Inglaterra para numa acção concertada expor o quadro e receber uma percentagem dos lucros das visitas. Após a morte do pintor, o Estado Francês adquiriu o quadro por uma soma muito modesta, quando comparada com todo o dinheiro que Géricault ganhou com o seu périplo cultural.
O quadro de Géricault influenciou muitos artistas pelo drama que retrata e em tudo tem semelhanças com a fotografia de Rancinan. Não são só as semelhanças que nos saltam aos olhos, mas o facto de ambas retratarem duas tragédias: Géricault, como vimos mostra-nos a tragédia dos náufragos num episódio que embora lamentável nunca mais se repetiu. Rancinan mostra-nos a tragédia dos emigrantes que todos os dias se fazem ao mar em embarcações artesanais para tentarem alcançar outra terra firme (principalmente aqueles que chegam a França vindos do Norte de África) que não a sua e aí poderem construir um futuro. A grande diferença entre estas duas histórias está no facto de uma não se ter repetido e da outra, volta e meia, estar presente nos nossos televisores e jornais para nossa vergonha. Os figurantes desta fotografia não são modelos profissionais ou pessoas conhecidas do mundo da moda a do desporto como é apanágio das fotografias de Rancinan, mas antes pessoas comuns, alguns são mesmo emigrantes. Para além disso, o fotógrafo e a sua equipa procuraram que as roupas com que os figurantes estão vestidos fossem artigos de contrafacção. O ensaio e a preparação desta fotografia está aqui:"
Théodore Géricault
The Raft of the Medusa
1818-19
Musée du Louvre, Paris
Gérard Rancinan
Radeau des Illusions
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