sexta-feira, agosto 15, 2008

- o carteiro -

"Por isso quero-me perder contigo/Por isso meu amor não espero mais/Coisinha sexy/Coisinha sexy/És demais" (Ruth Marlene, Coisinha Sexy):
Na Odisseia de Homero, o canto V é dedicado a Odysseus; ou seja, a Ulisses. (Tinha que colocar aqui o nome em inglês porque só hoje descobri que em inglês Ulisses derivava de Odisseia). Alertado pela sua omnipotência e omnipresença (e pelas antenas de Atenas), Zeus envia até à gruta de Calipso, a ninfa, um mensageiro. Zeus julgava-o cativo, maltratado... uma lástima:
"Em paga está prisioneiro numa ilha, sujeito a duras penas, na mansão da ninfa Calipso, que o retém contra a sua vontade; ele não pode regressar à terra dos seus pais, pois não tem quaisquer naus a remos nem companheiros para o conduzirem sobre o vasto dorso do mar(...)".
Ora apesar de Ulisses não ter de facto barco, o mar não era assim tão mau como o prova a segunda imagem que capta a saída (ou entrada, depende da perspectiva) da gruta de Calipso (isto parece outra coisa, mas não é!). Mais: como poderia um marinheiro, guerreiro e herói estar preso contra a sua vontade num local pilhado de mulheres, pois sabe-se que uma ninfa nunca anda sozinha? "Contra a sua vontade"? Olhem lá para o quadro em baixo e digam lá se a vontade dele era ficar na gruta com Calipso ou voltar para Penélope. Desconheço se o tempo dos deuses e dos heróis é o mesmo dos homens, mas Ulisses ainda ficou 7 anos na compnahia de Calipso. Mas sabem como se diz "um passarinho pousa em muitos ramos, mas só faz o ninho num". E o rapaz lá voltou para casa.

Gérard de Lairesse
Odysseus and Calypso
Rijksmuseum, Amsterdão

Da ilha, Homero diz o seguinte, pela voz do mensageiro enviado por Zeus de seu nome Argifontes:
"Encontrou-a (Calipso) ali. Um grande lume chamejava sobre a lareira; ao longe, espalhava-se o odor do cedro e da tuia fácil de fender, que, ao arderem, perfumavam toda a ilha." (confesso que não senti nada) (...) "Um bosque luxuriante crescera a toda a roda da gruta: amieiro, álamo negro, odorante cipreste; e sob os ramos faziam ninho aves de ampla envergadura: corujas, facões, barulhentas gralhas marinhas que labutavam sobre o mar." (nada! não vi nada disso).
Disse-lhe o mensageiro:
"Zeus ordena-te que o deixes (Ulisses) agora partir e o mais depressa possível, pois o seu destino não é acabar aqui, longe dos seus (...)"
Ela responde:
"Mas visto que não há para um outro deus meio algum de iludir ou de tornar vã a vontade de Zeus portador da égide, que ele se vá, se Zeus a isso o impele e lhe ordena, por sobre o mar incansável. Mas levá-lo eu é coisa que não posso". Dirigiu-se então a Ulisses e disse-lhe:
"Infeliz, não chores mais aqui, peço-te, nem consumas os teus dias; estou agora pronta a deixar-te partir. Vamos, corta com o bronze compridas tábuas e constrói uma larga jangada". Mas ele não estava convencido (note-se que o autor disse mesmo que Ulisses "de noite, tinha forçosamente de repousar ao lado dela (Calipso) na gruta". forçosamente? ela era uma deusa, tinha poderes, compreende-se, mas "it takes two to a tango"). Responde-lhe então Ulisses:
"Por mim, não seria capaz de subir para uma jangada contra a tua vontade, a não ser que tu própria, deusa, queiras jurar-me solenemente que não planeias nenhum outro desígnio para a minha desgraça e minha perda". Preparar, preparar, não preparou, mas deu-lhe roupas que quando molhadas faziam-no sentir-se mais pesado e por isso, quando saiu da gruta e enfrentou "o mar revoltoso" (eu não vi nada), a jangada de Ulisses desfez-se e o heróis teve alguma dificuldade em nadar. Estas mulheres são umas indrominadeiras. Para além de lhe servir uma vingança fria, serve uma vingança molhada!

gruta de Calipso