- o carteiro -
Me and my big mouth:
Lembram-se deste post sobre as poses de Maria Madalena. Estava certa e passei-vos essa imagem, de que as pinturas relativas a Maria Madalena a retratavam como um mulher em êxtase, constantemente. Mas percebi que também as havia mais atrevidas e mais recatadas, em obras de pintores mais tardios, o que me leva a pensar que a Igreja (enquanto conjunto de cristãos), nunca conseguiu reabilitar a imagem de Maria Madalena e que ela servirá, como prostituta, os propósitos da comparação entre o bem e o mal. Recordo um programa da Tyra Banks em que a apresentadora quase batia nas prostitutas cibernéticas ali presentes porque elas “destruíam casamentos” quando se sabe muito bem que “quando um não quer, dois não pecam”.
A história de Maria Madalena é muitas vezes acentuada ou atenuada nas passagens certas para que ela sirva de exemplo: ou como uma arrependida, ou como uma convertida, ou como uma pervertida. A história, como se sabe, diz que Maria Madalena amava Cristo (um amor fraternal) a ponto de se ter arrependido do seu passado dissoluto (a Bíblia diz apenas que ela era uma pecadora, não uma prostituta, mas como ter sexo era um pecado maior que matar…) e ter aceite a perenidade da carne e a imortalidade da alma. No entanto, mas os êxtases já referidos, contraíram esta visão, uma vez que a mostram como uma mulher entre arrebatamento espiritual e o físico (Bernini já tinha feito isso com a pequena escultura de Santa Teresa d’Ávila), e pouco vestida, com os cabelos soltos, os olhos revirados, lânguida e às vezes até com espelhos e colares de pérolas numa alusão à vaidade como pecado, bem sei, mas mesmo assim longe do seu verdadeiro pecado, que ninguém sabe qual foi.
Há no entanto outras Marias Madalenas como estas que aqui vos mostramos. Ela é sempre um objecto dócil e desejado, uma mulher “disponível”. No quadro de Ambrosius Benson, Madalena lê. Não lê qualquer coisa, muito provavelmente lê o Evangelho de São Lucas e a passagem que diz respeito ao momento em que Madalena lavou os pés de Cristo. Mas Madalena em êxtase nem parece arrependida. Até tem no semblante uma expressão de alguma felicidade, o que é estranho tendo em conta que o modelo da “Madalena que lê” é bastante antigo e mostrava sempre uma Madalena mais concentrada na leitura.
Ambrosius Benson
The Magdalen Reading
1525
National Gallery, Londres
A Madalena de Adriaen van der Werff é o exemplo típico de como se pode inverter a posição de Madalena no nosso entendimento. É talvez a única figura bíblica feminina, à excepção da Virgem quando amamenta o Menino e de Santa Ágata que ficou sem os seios, que tem o peito à mostra. Ela é a excepção que confirma a regra dentro do sentido cristão. Os seus objectos iconográficos ficam na penumbra e são quase esmagados pelo poder de um corpo nu que mal se cobre com um manto azul. E não é o mesmo azul do manto da Virgem, é um azul forte, quase provocador.
Quanto ao quadro/bilhete-postal (ainda não percebi bem) de Baudry, é aquilo que se pode dizer, uma vergonha. É que a escola académica de final do século XIX de que Baudry provém tinha por hábito lisonjear a masculinidade socorrendo-se para isso da fragilização da feminilidade. (Veja-se o quadro “As Oréades” de Bouguereau) Desde quando é que esta Madalena, apelidada de Penitente, está a penitenciar-se. Ela nem sequer olha para o crucifixo!
Baudry
The Penitent Magdalen
1859
Museu de Belas-Artes, Nantes
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