sexta-feira, julho 04, 2008

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou “bem vinda Cindy, já estávamos com saudades suas. Ora como é sabido você tem feito pastiches de tudo quanto é, se não obra de arte conhecida e facilmente identificável, pelo menos, de personagens ou situações nas mesmas condições. Quanto à situação em questão, uma Judite com a cabeça de Holofernes a Cindy foi buscar logo o mais pio, crente e influenciável dos homens: o pintor que seguindo Sanvonarolla chegou a queimar alguns dos seus quadros em nome da decência na cristandade italiana. Copiou-lhe a pose e escolheu-o, penso eu, por causa da opção de vida de um homem muito atormentado, que achava mesmo que a salvação estava no ascetismo e na renúncia ao seu próprio trabalho. Claro que, como John Currin e outros, não faz uma cópia total, opta pela crítica através da sugestão, mas o que vemos no seu Untitled #228 é uma crítica velada a essa Judite que por ser mais virtuosa que Salomé, lhe granjeou mais atenções, sua marota! Quanto a Boticelli, este foi o segundo quadro que pintou com sobre este tema. Havia pintado um outro cerca de 30 anos, mas mostra Judite num caminho com a sua criada que leva á cabeça a cabeça de Holofernes. Há diferenças entre as duas de Botticelli, o que mostra a influência crescente de alguma regra, culpa infligida e remorso. Neste quadro vemos uma Judite muito séria, mesmo profissional. No outro quadro víamos uma Judite primaveril, jovial, em comunhão com a natureza. Talvez tenha sido por isso que a menina Cindy escolheu esta pintura e não a outra; porque queria mostrar um lado mais sombrio de Botticelli, do tema e a sua própria relação com uma mulher que mata para matar o seu povo. Na primeira versão o nosso olhar ficava disperso com o que acontecia atrás da cena principal, nesta versão o olhar é sugado e fica aprisionado no centro do drama. A nossa atenção direcciona-se para Judite; a criada aparece, mas é em pano de fundo, lá atrás, e quase passa incógnita. O objectivo desta Judite não é ser graciosa, mas ser eficaz (as pessoas não são eficazes, são eficientes, mas como personagem, como portadora de uma mensagem, Judite é eficaz) na veiculação de uma imagem mais séria”:

Sandro Botticelli
Judith Leaving the Tent of Holofernes
1495-1500
Rijksmuseum, Amsterdão


Cindy Sherman
Untitled #228
1990
The Broad Art Foundation, Santa Mónica