- o carteiro -
O último a ler este post é um ovo podre:
A colocação de ovos em pinturas tem um significado, mas curiosamente, em nada relacionado com a Páscoa. Mesmo na mitologia Indiana o ovo está muito mais presente do que no Cristianismo: ambos os cultos falem de um início de vida mergulhado nas trevas, em que a Terra estava coberta de escuridão: “As trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas” (Génesis, I, 2). E é aqui que se dá a clivagem, uma vez que para a mitologia indiana foi nas águas que o ovo de ouro foi colocado dando origem ao próprio Brama. Depois o ovo foi dividido em duas partes: a superior deu origem ao céu e a inferior, à esfera material e terrestre. Já com o Cristianismo é neste ponto que o darwinismo começa. Podem até nunca ter reparado, mas existe uma tradição, que é pagã, desfaçam-se as dúvidas se as houvesse, de pintar ovos em obras que aparentemente não necessitam deles. Há dois bons exemplos disto: Leda e o Cisne de Leonardo da Vinci, quadro do século XVI que hoje só é conhecido através de cópias e desenhos preparatórios, e “A Virgem e o Menino com Seis Santos, Quatro Anjos e Federico II da Montefeltro” do fresco de Piero della Francesca que se encontra no retábulo dos Montefeltro, em Milão. Isto sem contar com os ovos cósmicos e com o Cristo na Mandorla, exemplos que ultrapassam em antiguidade os dois citados. O ovo cósmico e o ovo filosófico esta relacionado com o hermetismo, o platonismo e com os pitagóricos. Na forma, o ovo cósmico assemelha-se à Mandorla já que é no interior dele que o sol se movimenta em torno da terra, segundo a teoria da geocêntrica. O ovo cósmico é assim uma vedação de chamas onde se encontra aprisionada a epifania da iluminação divina. Já para os alquimistas o ovo era símbolo do conhecimento e daí esfera presente em muitas iluminuras que retratam a actividade. Já a Mandorla, como se sabe é o espaço imaterial em que Cristo aparece em Majestade pelo menos até cerca de 1500. Tanto no quadro de Da Vinci como na pintura de Piero della Francesca a presença dos ovos não podia ser mais enigmática.
A colocação de ovos em pinturas tem um significado, mas curiosamente, em nada relacionado com a Páscoa. Mesmo na mitologia Indiana o ovo está muito mais presente do que no Cristianismo: ambos os cultos falem de um início de vida mergulhado nas trevas, em que a Terra estava coberta de escuridão: “As trevas cobriam o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas” (Génesis, I, 2). E é aqui que se dá a clivagem, uma vez que para a mitologia indiana foi nas águas que o ovo de ouro foi colocado dando origem ao próprio Brama. Depois o ovo foi dividido em duas partes: a superior deu origem ao céu e a inferior, à esfera material e terrestre. Já com o Cristianismo é neste ponto que o darwinismo começa. Podem até nunca ter reparado, mas existe uma tradição, que é pagã, desfaçam-se as dúvidas se as houvesse, de pintar ovos em obras que aparentemente não necessitam deles. Há dois bons exemplos disto: Leda e o Cisne de Leonardo da Vinci, quadro do século XVI que hoje só é conhecido através de cópias e desenhos preparatórios, e “A Virgem e o Menino com Seis Santos, Quatro Anjos e Federico II da Montefeltro” do fresco de Piero della Francesca que se encontra no retábulo dos Montefeltro, em Milão. Isto sem contar com os ovos cósmicos e com o Cristo na Mandorla, exemplos que ultrapassam em antiguidade os dois citados. O ovo cósmico e o ovo filosófico esta relacionado com o hermetismo, o platonismo e com os pitagóricos. Na forma, o ovo cósmico assemelha-se à Mandorla já que é no interior dele que o sol se movimenta em torno da terra, segundo a teoria da geocêntrica. O ovo cósmico é assim uma vedação de chamas onde se encontra aprisionada a epifania da iluminação divina. Já para os alquimistas o ovo era símbolo do conhecimento e daí esfera presente em muitas iluminuras que retratam a actividade. Já a Mandorla, como se sabe é o espaço imaterial em que Cristo aparece em Majestade pelo menos até cerca de 1500. Tanto no quadro de Da Vinci como na pintura de Piero della Francesca a presença dos ovos não podia ser mais enigmática.
Fra Angelico
Transfiguration
1440-41
Convento di San Marco, Florença
No primeiro caso deve tratar-se do maior ovo alguma vez representado numa pintura. O quadro conta a história de Leda, a humana que na mitologia grega capta a atenção de Júpiter. Este episódio não foi casual; aliás, foi Afrodite que ofendida pelo marido de Leda não lhe ter prestado homenagem, resolve vingar-se fazendo com que Zeus se interessasse pela mortal. Um dia quando Leda se banhava no Eurotas viu um cisne fugir de uma águia que o perseguia: o cisne era Zeus e a águia, Afrodite. Na mesma noite Leda deitou-se com o seu marido e fizeram “o amor”. Leda ficou então duplamente grávida de pais diferentes e chocou dois ovos.) Esta não é a primeira vez que vemos um Deus assumir uma outra forma que não a humana para seduzir uma mulher o que, embora não diga muito acerca dos deuses nem dos animais, adianta alguma coisa acerca das mulheres! Esta união é frutífera, uma vez que vemos no chão dois ovos e quatro pequenas criaturas que parecem bebés. Num dos ovos estão Castor e Polux e no outro Helena e Clitmenestra. Já cantava a Whitney Houston “I belive children are our future”, e bem, pois os pares de crianças que saem dos ovos representam esse futuro: Castor e Polux dão nome a constelações e é nos astros ou nas estrelas que se lê o futuro. Os dois chamam-se, independentemente dos nomes próprios, Dióscuros que significa: “os filhos de Zeus”. Quando digo que representam o futuro faço-o porque esta associação de crianças que nascem de ovos a partir de uma relação entre um humano e um ser animal; ou seja, uma relação híbrida, é algo que nos aproxima muito do século XX, nas descrições de ficção científica dos anos 60 de como seria a vida no ano 2000. “Relatório Minoritário”, por exemplo, explora a possibilidade de criação em útero artificial, laboratorial, como de resto tinha escrito Adous Huxley. Esta não foi a primeira vez que Leonardo fez um estudo anatómico de figuras humanas, especialmente de crianças, uma vez que já havia desenhado por diversas vezes fetos humanos embora nunca os tivesse utilizado numa pintura. Esta deverá ter sido a forma mais aproximada a essa sua abordagem que viu a luz de um quadro, como se fosse um novo drawinismo em que tudo se desenvolve de forma natural: as crianças nascem naturalmente de ovos, postos por um cisne que é um deus e que fecundou uma mulher que tem o peito tão redondo como aqueles ovos. (Helena e Clitmenestra são as filhas do relacionamento humano de Leda, da relação com o seu marido. Juntas vão ser as impulsionadoras da tragédia no mundo grego.)
Cesare da Sesto
Cópia de Leda and the Swan by Leonardo
c.1505-1510
Earl of Pembroke, Wilton House, Salisbury
A outra obra é de Piero della Francesca, e representa uma cena bastante comum na pintura ocidental: a Virgem com o Menino ao colo em equilíbrio acrobático, rodeada de pessoas e seres imateriais que de uma forma ou de outra prestam homenagem a Mãe e Filho. O ovo, embora não se note logo, está uns centímetros acima da cabeça da virgem, preso por um fio que pende do fecho de uma concha que por sua vez, está no fundo da ábside. Na minha opinião, da qual ninguém quer saber, mas eu dou na mesma, “não joga a bota com a perdigota”, uma vez que o ovo e a Virgem não podiam estar, segundo a lógica, no mesmo plano, mas são representados como se estivessem. Piero della Francesca não se terá enganado, uma vez que era um matemático rigoroso e não um virtuoso. Há uma sombra que confere a forma arredondada ao fundo, não resultando isto numa pintura de sombras como no Barroco italiano. O ovo pende sobre a cabeça da Virgem como se fosse uma pérola saída da concha, mas sabemos que não é uma pérola, que é um ovo pela sua forma e pelo facto de a forma ovóide, sem centro e excêntrica ter exercido sempre um certo fascínio visual: é uma forma quase estéril como o círculo, porque não é aberta, mas é o símbolo da fecundação e encerra em si o mistério da reprodução. Como planta, era usada durante o Barroco e Rococó pois criava uma dinâmica que algumas figuras geométricas não conseguiam alcançar. Aqui, o ovo representa o nascimento de Cristo, numa alusão ao Nascimento enquanto acontecimento orgânico e acontecimento espiritual. (Note-se que Salvador Dali pegou igualmente no ovo e subverteu o significado alcançado aqui. Na "Metamorfose de Narciso" o ovo encontra-se entre os dedos metamorfoseados e dele nasce uma planta.
Piero della Francesca
Madonna and Child with Saints (Montefeltro Altarpiece)
1472-74
Pinacoteca di Brera, Milão
Gala-Salvador Dali Foundation
Há mais representações de ovos: ovos em naturezas mortas, ovos carregados por Lot e pelas suas filhas quando fogem da destruição de Sodoma e Gomorra, mas s ovos mais curiosos são os já referidos e os da Dança dos Ovos, um tema recorrente no século XVII na pintura de Bosch e dos seus seguidores e que retrata a fragilidade humana quando associada aos perigos da transgressão moral.
3 Comments:
Esta posta fez-me lembrar o «Onde está Wally?»... é que sou muito distraido e fez-me andar à pergunta dos ovos... a custo (sou pitosga) lá os descobri. A culpa é minha, não é dos pintores nem sua.
Caro João Barbosa:
Então?! O Piero della Francesca é um clássico. até de olhos fechados!
...hmmmm, nao consigo acreditar que o ovo está no mesmo plano que a virgem.
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