quarta-feira, julho 16, 2008

- o carteiro -
Elementar em qualquer Belogue:
Juntamente com as quatro estações do ano, os quatro pontos cardeais, os quatro humores do corpo humano, os quatro elementos completam a correspondência entre o microcosmos e o macrcosmos que de certa forma liga também o tetramorfo; ou seja, o conjunto de temas que faz a ligação entre o universo interior e o exterior através do número. Esta ideia é um pouco pitagórica, claro, mas também platónica e ligada ao estudo do hermetismo, uma vez que estabelece os laços entre o número fruto da natureza humana e o número fruto da natureza divina. Por exemplo, a Água que está ligada ao húmido e ao frio, tem a sua correspondência com o Inverno e este, por seu turno, com a fleuma (o entediamento. Quantos de nós não a sentem no Inverno. Os mais entendidos até atribuem determinados estados de espírito à chegada de diferentes climas.). O Fogo que tanto seca como aquece e queima está relacionado com o Verão e o Verão relaciona-se com a cólera ou bílis amarela. Não é por acaso que as pessoas, mesmo de férias, discutem mais no trânsito e se facilmente “perdem as estribeiras”. É no Verão que as pessoas se apaixonam e é no Verão que recebemos telefonemas daqueles. O elemento Ar que tanto representa o húmido como o calor (pois pode ser das duas formas), está ligado à Primavera, tanto mais que a própria estação em si é uma estação de transição, entre um momento triste (Inverno) e um outro muito prazenteiro (Verão). A Primavera está também ligada ao sangue, ao temperamento sanguíneo. Por mais estranho que pareça, até faz sentido uma vez que no sangue pode estar o início e a Primavera é uma estação de concepção. Por fim a Terra que é fria e seca relaciona-se com o Outono e com a bílis negra ou humor melancólico. No Outono festejamos o Verão de São Martinho enquanto comemos castanhas quentes e adoramos os mortos.
A esta concepção de origem pré-socrática, Aristóteles juntou um quinto princípio, um quinto elemento a que chamou o éter, o imaterial que não adquire corpo, mas que representa por isso o Motor Universal que é Deus. E desde a Antiguidade os elementos estão associados a divindades mitológicas, a deuses e deuses com entidade planetária (por isso a Maya diz que “o seu signo está na casa Y em Júpiter” ou coisa que a valha). Assim a água está relacionada com Neptuno (deus dos mares que é representado fazendo-se rodear de animais marinhos e com o seu tridente), o fogo está relacionado com Vulcano (porque era o Deus que trabalhava o fogo, que forjava na sua bigorna. Este é aliás um dos elementos identificativos de Vulcano), o ar está relacionado com Júpiter (um dos atributos de Júpiter é a águia) e por fim a terra está ligada a Plutão (Plutão era o deus do mundo subterrâneo e está representado pelos cavalos pretos e pelo capacete da invisibilidade).

No quadro de Jan Brueghel, vemos os quatro elementos: no quadrado laranja temos a armadura, o capacete e a espada; ou seja, elementos que o Fogo moldou; no quadrado vermelho temos o elemento Terra, pois os frutos e as flores dela provêm; no quadrado azul podemos ver os animais que voam e por isso representam o elemento Ar e no quadrado verde está representado, através de um cântaro tombado de onde jorra água, o elemento Água.

Jan Brueghel the Younger e Frans Francken II
Landscape with Allegories of the Four Elements
1635
J. Paul Getty Museum, Los Angeles

Arcimboldo reservou um quadro para cada elemento da natureza que pintou usando o retrato, a mesma forma que já tinha feito para as estações do ano. Cada um dos retratos mostra vários elementos que podemos relacionar com o elemento em questão. O elemento Água, está presente através de um conjunto variado de peixes, crustáceos e mesmo algas. Ele consegue fazer uma síntese morfológica das várias espécies marinhas usando até as pérolas para completar o retrato, o que se adequa uma vez que as pérolas vêm das ostras. Há também no retrato uma conotação sexual pois diz-se que as ostras são afrodisíacas. No quadro relativo ao elemento Ar vemos apenas aves, mas muito diferentes. Cá em baixo, em destaque dentro do quadrado azul podemos ver o pavão e na cabeça apreciamos papagaios, patos, galinhas, galos e corujas. O quadro com o retrato referente ao elemento Fogo é talvez o mais completo: o cabelo é feito de chamas que se incendeiam vindas de grandes velas, a boca e o queixo é formado por uma lucerna, o lábio superior por um fardo de palha, no pescoço um pesado ornamento de ouro, que como se sabe tem de ir a fogo para derreter e em baixo algumas peças de artilharia. No conjunto que fala do elemento Terra os motivos pintados foram os animais: elefantes, leões e ovelhas (um de cada lado do perfil), veados, tigres, raposas, lebres e até um javali.

Giuseppe Arcimboldo
The Water

1563-64
Kunsthistorisches Museum, Viena


Giuseppe Arcimboldo
Air
Colecção Privada, Basileia



Giuseppe Arcimboldo
The Fire
1566
Kunsthistorisches Museum, Viena

Giuseppe Arcimboldo
Earth
c.1570
Colecção privada, Viena
A pintura de Ticiano tem inúmeras interpretações, até porque o título é propício a isso. No entanto vemos de imediato o elemento Água no jarro que se encontra dentro do quadrado verde. Esta mulher é também uma alegoria da Temperança. Dentro do quadrado azul encontra-se a cabeça de um jovem com os caracóis ao vento, o que é uma personificação do elemento Ar. A mulher de costas dentro do quadrado vermelho representa o elemento Terra e o tocador de alaúde dentro do quadrado laranja representa o elemento Fogo, isto visto dentro da doutrina pitagórica que achava que o Universo se ordenava segundo as cordas de uma guitarra.

Na obra de Jacques Linard os elementos estão bem visíveis: o Fogo representado por um braseiro, o Ar representado por uma ave, a Água representada por um pequeno cântaro e a Terra representada pelo cesto que contém vários produtos da terra associados ao gosto e ao odor. Como a pintura se denomina “Os cinco sentidos e os quatro elementos”, só nos faltam três sentidos. São eles a audição através do alaúde, a visão através do espelho que se encontra atrás do alaúde e o tacto que está por todo o quadro.
Jacques Linard
Les cinq sens et les quatre éléments (avec objets aux armes de la famille de Richelieu)
1627
Musée du Louvre, Paris

2 Comments:

Blogger João Barbosa said...

certeiro

16/7/08 8:54 da tarde  
Blogger Belogue said...

sem freehand para fazer isto, e com o photoshop a meio gás ficou aquilo que viu. Foi tão certeiro que me esqueci da imagem do Ticiano (no texto falo dela, mas esqueci-me de colocá-la). Ó meu deus, eu sou a Grace Adler da blogosfera.

17/7/08 12:21 da manhã  

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