sexta-feira, julho 11, 2008

- o carteiro -
Há uma grande e estreita relação entre a literatura e as artes plásticas. Claro que aqui no Belogue, por falta de jeito e de tempo só temos falado de pintura, quase nada de arquitectura e temos ignorado a escultura, a instalação, o vídeo e só não temos ignorado a fotografia pois de vez em quando há uma ou outra que interessa. Bom, mas como há blogs que falam disso tudo, e como na blogosfera isto é um entra e sai (como dizia uma personagem de “O segredo de um Cuscuz”: “mas o que é isto? O que é a França? A França é um bordel?”), encontrarão em outros blogs as temáticas em falta neste. E se muitas vezes não falamos mais de política, do aumento dos combustíveis, da escalada dos preços, da sugestão de escolha de outras fontes de energia, de crise alimentar, de razia na agricultura portuguesa, de má política agrícola a reboque de Bruxelas, de desertificação do interior e venda de solos a Espanha, de imigração, de emigração, de descontentamento social, de aumento de pobreza, de pobreza escamoteada, de aumento de violência, de aumento do crime organizado, de aumento dos lucros das grandes empresas em detrimento dos lucros das pequenas e por fim, voltamos ao mesmo, da supremacia petrolífera relativamente a todos os sectores da nossa existência, é porque outros o fazem e muito bem.
Os primeiros exemplos surgem nos hieróglifos egípcios que são tanto desenho quanto escrita. E escrita com um pensamento subjacente que era um pensamento poético. No Renascimento, os símbolos pagãos tiveram tanta importância na pintura como na literatura. A esfinge por exemplo não era para os artistas e poetas do Renascimento apenas um animal fantástico, mas um símbolo daquilo que já dizia Pico della Mirandola onde referia a relação entre os mistérios, e a necessidade desses mistérios para a produção artística e poética. Outros exemplos existem, como a descrição do escudo de Aquiles por parte de Homero na Odisseia. Partindo disso (e eu sei que há um site onde podemos ler livros on line e consultá-los, e se soubesse qual é o site até ía lá retirar a citação, mas fica aqui a ideia), foi possível aos diversos pintores representar Aquiles o mais fiel possível à tradição homérica.

Philip Rundell
Escudo de Aquiles
1821
The Royal Collection, Londres


Já a Divina Comédia de Dante inspirou, entre outros, o influenciável Botticelli como nos mostra este desenho preparatório onde podemos ver a cena em que Dante e Virgílio se deslocam entre pedras até ao primeiro círculo do purgatório. Ali os dois podem admirar numa parede de mármore algumas cenas como a Anuciação, a dança de David e o Imperador. O poeta d’Annunzio inspirou-se nos Pré-Rafaelitas ingleses. Os poetas ingleses por seu turno parecem ter feito o caminho inverso, uma vez que notamos a influência de cenas como O Rapto de Lucrécia nos versos de Spencer e Shakespeare. No entanto, esta relação é um pouco intuitiva já que os escritores e poetas não faziam referência aos artistas plásticos que os podiam ter inspirado. A única vez que Shakespeare menciona um artista, é o italiano Giulio Romano que era mais conhecido pelas suas esculturas em cera. Shakespeare fala dele no “Conto de Inverno” quando descreve também os arranjos decorativos para o funeral do Duque de Mântua, Frederico Gonzaga, organizados por Giulio Romano.

Sandro Botticelli
Purgatory X
1490s
Staatliche Museen, Berlim

Mais tarde, tanto poetas como pintores foram buscar inspiração, não à arte uns dos outros, mas a figuras conhecidas, fazendo um redesign de temas antigos através do uso de pessoas ilustres do seu tempo. Atribuíam assim a pessoas reais qualidades extraordinários de deuses, deusas, santos e personagens mitológicas. Como exemplo temos o retrato de Catarina Sforza-Riario pintado por Botticelli que a transforma em Santa Catarina com a devida palma e roda, atributos desta santa.

Sandro Botticelli
Caterina Sforza
1475
Lindenau Museum


Canova pintou Fernando IV de Nápoles como se de Minerva se tratasse pois Fernando gostaria de ficar para história como uma pessoa culta e sábia. Note-se que Minerva era a deusa da sabedoria. Mignard pintou a Marquesa de Seigneleys como Tétis e a seu lado, o Cupido foi o próprio Conde de Toulouse. Ekrenstrahl pintou também uma personagem da nobreza: a Rainha da Suécia como Minerva, embora a rainha não fosse particularmente dotada de beleza. Tanto Girolamo Savoldo quanto Ticiano pintaram pessoas que não eram muito conhecidas no seu tempo, mas que tiveram os seus 15 minutos de fama: Girolamo pintou uma senhora como Santa Margarida e Ticiano pintou uma jovem como Vénus. E Sir Joshua Reynolds pintou a Senhora Sheridan como Santa Cecília, a Senhora Siddons como a Musa da Tragédia e a Senhora Blake em Juno.

Sir Joshua Reynolds
Mrs. Sheridan as Saint Cecilia
1790
Waddeson Manor, Aylesbury, Buckinghamshire


Sir Joshua Reynolds
Mrs. Siddons as the Tragic Muse
1783
Royal Academy