sexta-feira, julho 25, 2008

- o carteiro -
Coisas parvas que não interessam nem ao menino Jesus – como se ele se interessasse por alguma coisa – mas que tenho de postar porque… sim:

Durante o século XVI, com a grande divulgação de imagens e escritos da Antiguidade graças às novas técnicas de impressão suscitou grande interesse, um interesse crescente e cada vez maior peças ciências, o que levou a que o estudo destas obras fosse apanágio de senhores, artistas e intelectuais. A cultura humanista dá grande importância à destreza cognitiva e por isso às diferentes ciências. Os artistas tentam então aliar nas suas obras a reflexão, aliar o conhecimento à razão. À medida que se afirma a especialização dos saberes e à medida que se difundem as descobertas revolucionárias na Astronomia - Copérnico a Galileu e de Kepler a Newton – a iconografia das ciências desenvolveu-se progressivamente, desde a descrição minuciosa dos objectos científicos, até à celebração da personalidade dos sábios.Há vários exemplos do primeiro caso e outros tantos do segundo. O primeiro exemplo aqui apresentado tanto é uma celebração dos instrumentos, como da pessoa, o astrónomo. Neste quadro de Jacopo de’Barbari, “Painting of Fra Luca Pacioli and pupil” da primeira metade do século XVI, há uma exaltação do homem, do matemático e astrónomo Luca Pacioli, mas também de um dos instrumentos de estudo. Ele faz-se rodear de instrumentos como o livro “Elementos” de Euclides, com a outra mão desenha a célebre figura do triângulo equilátero inserido no círculo que é a tradução de um teorema euclidiano e por cima do pequeno quadro onde o matemático escreve está suspenso um rombicuboctaedro de vidro (as suas faces são constituídas por 8 triângulos equiláteros e 18 quadrados, que está parcialmente cheio de água naquilo que pode ser entendido como o conhecimento matemático perfeito e completa. Para completar mesmo só falta um elemento muito presente, principalmente na pintura flamenga e que se encontra ao lado do livro. Trata-se de um sólido mais pequeno que se chama dodecaedro regular. A geometria dos sólidos desde sempre exerceu grande fascínio nas pessoas, desde os tempos mais remotos: desde os egípcios aos sólidos pitagóricos, de Arquimedes e Kepler, muitos foram aqueles que descobriram novos sólidos e lhes conferiram a importância para integrarem o estudo de obras de arquitectura.

Jacopo de’Barbari
Painting of Fra Luca Pacioli and pupil
Primeira metade do século XVI
Galleria Nazionale Di Capodimonte, Nápoles

Um dos primeiros rombicuboctaedros na arte foi desenhado por Leonardo da Vinci (que apareceu no tratado de Luca Pacioli, “Divina Proportione”), um dos 13 sólidos de Arquimedes, mas há outros sólidos, como o dodecaedro regular, que tiveram muita importância para vários artistas. Dürer por exemplo, na sua Melancolia I representa esta figura da Melancolia com a cabeça apoiada na palma da mão numa pose que denuncia alguma reflexão. E esta figura segura numa das mãos um compasso; ou seja, um dos instrumentos usados pelos astrónomos e matemáticos para os seus cálculos e teoremas.. À volta da figura da Melancolia podemos ver uma série de formas geométricas incluindo a esfera, um poliedro gigante que não posso precisar se é um dodecaedro, bem como várias ferramentas para trabalhar madeira. Assim, temos as ferramentas e as formas; ou seja, o desenho e a construção o que leva a uma outra alegoria; a alegoria da arquitectura. Na parede do edifício está pendurado um sino, uma ampulheta, escalas e um quadrado mágico. Embora a Melancolia possa ser dissuasora em relação ao entusiasmo e à criatividade, é na maior parte das vezes uma característica da invenção.

Leonardo Da Vinci
Rombicuboctaedro


Albrecht Dürer
Melencolia I
1514
Kupferstichkabinett, Staatliche Kunsthalle, Karlsruhe

Outro dos artistas a pintar os sólidos pitagóricos de demais instrumentos ligados à geometria, foi Hans Holbein que tanto pintou a pessoa como a seu actividade. Holbein pintou o astrónomo Nikolaus Kratzer, amigo de Thomas Moore e talvez por isso, em 1519 foi astrónomo real da corte inglesa e esteva ao serviço de Henrique VIII. Para além deste retrato ser um retrato de uma pessoa, de um astrónomo, é também uma pintura dos seus instrumentos e poderíamos até separar uma coisa da outra, mas a quantidade de instrumentos é tão grande, que este pode ser visto como o retrato do homem como também pode ser visto como o retrato do seu trabalho. Este trabalho é crucial na obra de Holbein (pois marca o início da sua actividade na corte inglesa), mas apesar disso não se distancia muito de “Os Embaixadores” no que diz respeito à disposição dos objectos de trabalho. A zona das mãos é muito claro e bem trabalhada em tons creme e castanho, de forma a realçar os objectos: numa das mãos Kratzer segura um compasso e na outra um sólido não regular de dez faces. Na sua mesa de trabalho notamos também a presença de uma régua, uma faca de trabalhar madeira, tesouras, e um martelo.

Hans Holbein, the Younger
Portrait of Nikolaus Kratzer
1528
Musée du Louvre, Paris


Hans Holbein, the Younger
Portrait of Nikolaus Kratzer (pormenor)
1528
Musée du Louvre, Paris

“Os Embaixadores” de Holbein é um dos quadros mais conhecidos do pintor e um dos quadros mais conhecidos do mundo. Nele estão retratados os dois embaixadores franceses na corte inglesa; Jean de Dinteville e Georges de Selve. Os dois estão ricamente vestidos e apoiados num móvel de duas prateleiras cobertas por um tapete, e tudo isto tendo como fundo uma cortina em damasco verde. Todo o pormenor da pintura nos leva a pensar que é altamente codificada e como os embaixadores são de facto alguém importante na corte, podemos associar a eles os tais sólidos a que todos gostariam de estar ligados. A quantidade de objectos associa de imediato os embaixadores à comunidade do ensino e da ciência do Renascimento, movimento esse crescente e considerado progressivo. Esta tendência convivia bem com a religião, tanto que no mesmo quadro podemos notar, embora não seja relevante para o assunto em si, um livro de Lutero com os seus hinos. Vejamos: o chão em mosaico preto e branco imita o chão da Catedral de Westminster (Holbein não se limita a pintar a realidade, mas a reinterpretá-la a retratar objectos e ideias da forma considerada ideal), os objectos nas prateleiras reflectem os gostos de um intelectual pois os livros, colocados na prateleira superior não estão ali por acaso. Estes são livros de estudo de astronomia, dos corpos celestiais e por isso estão junto do globo, de compassos, de relógios solares, do calendário cilíndrico, do nível e do quadrante. Por seu turno, os objectos colocados na prateleira inferior estão relacionados com o trabalho diário e com o comércio, actividade a que os embaixadores estavam ligados.

Hans Holbein, the Younger
The Ambassadors
1533
National Gallery, Londres


Hans Holbein, the Younger
The Ambassadors (pormenor)
1533
National Gallery, Londres

1 Comments:

Blogger AM said...

mas que maravilha de posta, beluga
e esses pormenores... são de salivar...
e não se preocupe com o menino jesus,
JC não percebia nada de pintura nem consta que tivesse um blogue...

25/7/08 10:49 da manhã  

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