quarta-feira, julho 23, 2008

-ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes e depois ou “wow outra vez, woman” ou “esta pintura de Vermeer é considerada a “Gioconda do Norte”, devido à aura algo enigmática da mesma. Não foi a primeira vez que Vermeer pintou cabeças humanas e “tronos” (pinturas de carácter magestático). Apesar do retrato ser tão enigmático e bonito – mais até, na minha opinião, do que o da Gioconda que é demasiado “plano” – o estado de conservação do quadro não é o melhor. Talvez o filme com o mesmo nome tenha dado algum alento à recuperação e restauro do quadro de Vermeer. Vermeer abandona neste quadro os fundos profusamente ornamentados e de retrato do quotidiano e opta pelo fundo plano e por um tom perto do preto, o que até é lisonjeiro para a rapariga retratada e para o retrato em si pois acentua os efeitos de tridimensionalidade. A rapariga do brinco de pérola não está de frente, nem de lado. Nem sei mesmo se está a três quartos. O que a pintura sugere é que ela estava a andar em direcção ao fundo e o pintor a chamou. E este momento retratado é o momento em que ela se vira para responder ao chamamento. Os lábios estão um pouco abertos como se ela estivesse na iminência de inquirir quem a chamou: “o que foi?”, ou “o que queres?”, ou “diz”. Penso que a razão pela qual escolheram, no filme, uma jovem empregada da família para posar é porque no original quem posa está vestido de uma forma muito modesta, sem ornamentos. Isto leva-nos a concluir que não é portanto uma pintura encomendada por um nobre, mas mais uma pintura experimental. Há também algo de provocador na contradição patente entre esta forma despojada de vestir e a gorda, reluzente e muito alva pérola que a rapariga traz e no turbante que lhe cobre o cabelo. Relativamente à pérola, tanto pode ser encarada como um objecto de luxúria, como um objecto com uma aura mística, pois já na Bíblia se encontra a referência às pérolas, quando Isaac enviou brincos de pérola à virgem Rebeca. Acreditava-se com isto que os brincos tinham posição privilegiada no corpo da mulher e homem que presenteasse a sua senhora com tal acessório beneficiava da sua atenção: no fundo, os brincos tocavam nas orelhas que deviam ser apenas para a mulher ouvir o seu homem. Em relação ao turbante, Vermeer também se pintou num auto-retrato com um turbante, que até eram comuns para a época, uma vez que chegavam ecos das longas guerras contra os turcos. Chegavam também ecos de uma forma de vida um pouco estranha e exótica que agradava a Vermeer até porque eram costumes inimigos da Cristandade. Estes dois factos juntos levam muitos críticos a acreditar que a pérola não é elemento de luxúria e que estamos perante o retrato da primeira mulher de Vermeer, o que até é possível. O desfasamento entre esta visão e a do filme pode ser explicada pela ficção subjacente ao argumento, mas também devido à inexistência quase total de dados sobre a vida de Vermeer. Conhece-se mais sobre a sua família e amigos do que sobre o pintor em si, que apesar de ter sido muito conhecido e requisitado no seu tempo, foi esquecido e só recuperado no século XIX.

Para falar a verdade, acho que o retrato de Julianne Moore não tem tanto mistério nem vida como o original. Julianne está com um rosto mais severo, mais fechado, sem aquela possibilidade de vislumbre de um sorriso zombeteiro. Nem parece como me fez crer o original, que tenha se esteja a voltar naquele momento. O rosto de Julianne não diz “o que é que foi? Chamaste?”. Diz antes: “Inclino mais a cabeça ou está bom assim?”. Apesar de tudo, wow woman!:”

Johannes Vermeer
Girl with a Pearl Earring
c. 1665
Mauritshuis, The Hague


Michael Thompson
Julianne Moore interpreta Vermeer
2001
Interview

3 Comments:

Blogger Ji|||i said...

..que mais há pra dizer? ela nao foi feita pra usar turbantes, para além da cabeça dela procurar a postura (como a beluga disse), e o rosto dela ser mais "actual"...

23/7/08 9:11 da manhã  
Blogger João Barbosa said...

bem observado. gostei do remate final

23/7/08 10:35 da manhã  
Blogger Belogue said...

Q: de facto, nesta série ela (que considero fantástica para este tipo de trabalhos) só está bem na primeira fotografia que publiquei. nas outras parece que está a abreviar.

Caro João Barbosa:
ora, ora. Tô ficando sem jeito!

24/7/08 12:14 da manhã  

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