- o carteiro -
Annibale Carracci
Jupiter and Junon
1597-168
Palazzo Farnese
Jupiter and Junon
1597-168
Palazzo Farnese
Esta não era a imagem que pretendia que aqui estivésse. Mas como o poder da taumaturgia sobre a net ainda não me foi concedido e não encontrado outro que versasse sobre o tema em questão, o escolhido foi o fresco de Annibale Carracci. Falta aqui Tirésias, a verdadeira personagem de quem queria falar, mas falo mesmo na ausência do interessado. Tirésias, foi o “primeiro transexual da História”, incluindo na História, a mitologia. Segundo as "Metamorfoses" de Ovidio (quem mais!), Tirésias que nasceu homem tornou-se mulher e novamente homem. Por isso, quando disserem piadas sobre mudanças de sexo e de como “essas modernices são agora porque no meu tempo não havia nada disso”, lembrem-se que já alguém achava que o assunto era possível e importante. Esse alguém não era Ovídio, porque as “Metamorfoses”, assim como a “Legenda Áurea” apenas colocam por escrito a tradição oral da genealogia - neste caso - dos deuses (que tem um nome próprio, mas agora não me lembro qual é). Esta mudança de sexo de Tirésias, referida por Ovídio nas suas "Metamorfoses" vem no seguimento de uma disputa entre Júpiter e Juno. Um dia, estando os dois a conversar (eram irmãos e amantes, por isso estão a ver que “conversar” foi o termo mais simpático que arranjei) envolvem-se numa querela. Ovidio diz mesmo que:
“Enquanto isto se passava nas terras pela lei do destino,
E o berço de Baco, duas vezes nascido, estava em segurança,
sucedeu que, um dia, Júpiter, diz-se relaxado pelo néctar,
pusera de lado os seus graves cuidados e brincava, brejeiro,
com Juno, também ela ociosa: ’O prazer sexual é para vós,
sem dúvida, muito superior ao que cabe aos homens,’ dissera.
E o berço de Baco, duas vezes nascido, estava em segurança,
sucedeu que, um dia, Júpiter, diz-se relaxado pelo néctar,
pusera de lado os seus graves cuidados e brincava, brejeiro,
com Juno, também ela ociosa: ’O prazer sexual é para vós,
sem dúvida, muito superior ao que cabe aos homens,’ dissera.
(Juno e Júpiter são os nomes romanos para Hera e Zeus, uma vez que Ovídio era romano. Repito que a imagem publicada não era a desejada, preferia uma que incluísse Tirésias, mas tendo em conta a forma como Ovídio narra a conversa dos dois, parece-me que está bem ilustrada.) Chamam então Tirésias para decidir quem tinha razão: se Júpiter que dizia que o prazer sexual das mulheres era superior ao dos homens, ou Juno, que dizia o contrário. E continua Ovídio:
“(…) Acordam então averiguar qual a opinião
do douto Tirésias. É que este conhecera os dois lados do amor.
De facto, em certa ocasião sovara duas enormes serpentes,
que acasalavam na erva verdejante, a golpes do seu bastão.
de homem convertera-se em mulher (espantoso!), e passara
sete Outonos assim. Ao oitavo Outono. Viu de novo aquelas serpentes.
‘Se tão grande é o poder da pancada com que vos feri?, disse,
‘a ponto de mudar no contrário o sexo de quem vos golpeo,
bater-vos-ei também agora.’ Golpeando as mesmas serpentes,
retornou à forma primitiva e a figura com que nascera voltou.
Ele é, pois, o mediador nomeado para este litígio brincalhão.”
Quando inquirido por Júpiter e Juno, Tirésias responde: na verdade vos digo que se dividirmos o prazer em dez partes, a mulher fica com nove e o homem com uma. Não se sabe se para agradar a Júpiter, que era afinal de contas o Deus dos deuses, se por conhecimento de causa, Tirésias dá razão a Júpiter e deixa Juno enfurecida pois a deusa fica a achar que se a mulher tem tantas vezes prazer, este é dado pelo homem, o que rebaixa as mulheres e coloca em posição de superioridade os homens. Para castigar Tirésias, Juno retira-lhe a visão, mas Júpiter, que não podia desfazer o feito de outro deus (“cada um na sua onda, cada um na sua prancha, eu não vou lá no teu barco, tu não vem na minha lancha”), agraciou-o com o dom de prever o futuro.
Não sou mitologista, mas achei o episódio importante e muito incisivo (não necessariamente por esta ordem). Por isso, e quem estiver interessado em participar na votação, faça favor: quem acha que Tirésias tem razão, manifeste-se e quem acha que não tem, manifeste-se também. O Belogue agradece.
“(…) Acordam então averiguar qual a opinião
do douto Tirésias. É que este conhecera os dois lados do amor.
De facto, em certa ocasião sovara duas enormes serpentes,
que acasalavam na erva verdejante, a golpes do seu bastão.
de homem convertera-se em mulher (espantoso!), e passara
sete Outonos assim. Ao oitavo Outono. Viu de novo aquelas serpentes.
‘Se tão grande é o poder da pancada com que vos feri?, disse,
‘a ponto de mudar no contrário o sexo de quem vos golpeo,
bater-vos-ei também agora.’ Golpeando as mesmas serpentes,
retornou à forma primitiva e a figura com que nascera voltou.
Ele é, pois, o mediador nomeado para este litígio brincalhão.”
Quando inquirido por Júpiter e Juno, Tirésias responde: na verdade vos digo que se dividirmos o prazer em dez partes, a mulher fica com nove e o homem com uma. Não se sabe se para agradar a Júpiter, que era afinal de contas o Deus dos deuses, se por conhecimento de causa, Tirésias dá razão a Júpiter e deixa Juno enfurecida pois a deusa fica a achar que se a mulher tem tantas vezes prazer, este é dado pelo homem, o que rebaixa as mulheres e coloca em posição de superioridade os homens. Para castigar Tirésias, Juno retira-lhe a visão, mas Júpiter, que não podia desfazer o feito de outro deus (“cada um na sua onda, cada um na sua prancha, eu não vou lá no teu barco, tu não vem na minha lancha”), agraciou-o com o dom de prever o futuro.
Não sou mitologista, mas achei o episódio importante e muito incisivo (não necessariamente por esta ordem). Por isso, e quem estiver interessado em participar na votação, faça favor: quem acha que Tirésias tem razão, manifeste-se e quem acha que não tem, manifeste-se também. O Belogue agradece.
5 Comments:
há aqui alguma relação entre "bater na serpente" e cegar?
espero que não. e espero, honestamente que não esteja a falar em sentido figurado porque... não consigo imaginar isso
percebi que o meu comentário corria o risco de "pisar a linha" (toda) do "obsceno", mas, o obsceno também já não é o que era...
a minha pergunta ia no sentido de apelar aos seus conhecimentos para tentar perceber o "link" entre a (todos os títulos) extraordinária história do Tirésias e algumas "ideias feitas" pela "vox populi"...
a "teoria" da cegueira de algum canto tem que vir... será do Tirésias?
Caro AM:
o meu receio é que o sentido figurado exija de mim uma resposta íntima (não, não sou lésbica). Isto sem contar com a existência de "títulos" cujo conteúdo e forma desconheço. Mas o que sei é que há outras duas serpentes na mitologia. Já reparou no símbolo das farmácias? são duas serpentes entrelaçadas a acasalarem em volta de um falo erecto e chama-se caduceu. Quem o usa é Mercúrio, o Deus alado da mitologia, mensageiro, mas o símbolo em si está ligado às ciências e à medicina. O falo representa o bastão que Mercúrio utilizou para roubar cinquenta cabeças de gado a Apolo. Diz-se que enganou o deus fazendo os animais andar para trás. As serpetes podem representar, no meu entender, os dois pilares cónicos que os romanos e os gregos erguiam em homenagem à divindade e que eram esculpidos com a cabeça e os genitais. Também me lembrou a história dos templos maçons, baseados no templo de Salomão, que têm à entrada duas colunas, uma feminina e outra masculina (um com um triângulo normal e outra com um triângulo invertido). mas se fôssemos descodificar tudo com recurso a isto, qualquer balde do lixo poderia ser descodificado graças à cabala e ao hermetismo. Não consigo pensar em outras duas serpentes. estas pelo menos sabemos que estão relaciondas com a medicina e com a saúde. Passando para o Cristianismo e para os dias de hoje, não me surge nada. A única serpente relevante para a sociedade cristã ocidental é a serpente dos Génesis e essa era só uma. Mais tarde existe a do ouroboros, mas também é só uma. É bem provável que se tenha atribuído à serpente o significado do falo, mas com duas cabeças é que não me parece nada bem. Devia ser um pénis muito especial. Quanto à cegueira, acho que não acrescentei uma coisa: é que aquilo que Juno tirou, Júpiter repôs: deu a Tirésias a possibilidade de advinhar o futuro e sete vidas.
Aqui entre nós, acho que ninguém conhece a história. Se conhecessem... muita gente ia ficar espantada. Pensar que alguém já tinha pensado nisto enquanto os homofóbicos todos se levantam contra os arco-íris...
o conhecimento dos clássicos evita muitas asneiras dos modernos
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