quarta-feira, março 15, 2006

NÃO VAI MAIS VINHO PARA ESSA MESA
Cheguei ao gabinete e com um ar não muito alegre, não muito pesaroso cumprimentei os presentes com um “bom dia”. Foi um “bom dia relativamente efusivo em comparação com aquilo a que a esta altura já cada um está a fazer como imagem mental do meu “bom dia”. Passado um tempo, não posso quantificá-lo, e sem que eu tivesse aberto a boca, aqueles dois espécimes femininos começam a ladainha que muitos conhecem e que versa sobre o género. No caso destas senhoras o título da ladainha é “os homens”.

Ora, não sendo o meu “bom dia” nem muito efusivo nem muito sério e nada obrigado, seria de pensar que aquela conversa em tom de conversão me caísse mal. Não era a primeira vez que sentia tonturas e vómitos após o começo da oração que era sempre o mesmo: “porque os homens são assim”. E embora me mantivesse sempre calada e até surda, não pude deixar de reparar que a oração era-me dirigida como uma punição seria a um pecador. E eu devia merecê-lo, devia precisar de um castigo bem aplicado e proporcional a não sei que pecado, tal era a vemência das palavras.

Foi então que me levantei do meu cantinho do gabinete, caminhei até à janela com passo cinematográfico e como um assassino, cometi o meu crime. Proferi a seguinte frase que apesar de verdadeira era para aquelas senhoras munidas de palavras sábias, uma afronta: “mas antes de ser um homem é uma pessoa. Se alguma de nós o beliscar, dói tanto quanto se formos nós os beliscados. Acredito que toda a gente é naturalmente gentil e boa e não concebo as pessoas de outra forma, seja homem ou mulher. O resto são telenovelas”.

E a frase, proferida assim de pé, com a luz matinal a queimar-me a ponta do nariz quase encostada ao vidro, o corpo numa serpentinatta e os braços cruzados por baixo do peito – um grande espaço vazio – teve o valor, não de uma prece, mas de uma profecia.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

E nesse momento um raio de luz atravessou a janela e os vidros coloriram-se para que a redenção fosse de vitral tatuado nas faces das duas pregadoras... Os olhos das duas pastorinhas incendiaram-se da verdade que lhes queimava a alma e no meio de um silêncio beatificado uma das arrependidas proferiu:
-Tá Parva?

15/3/06 2:51 da tarde  
Blogger Belogue said...

Ou então um "fia-te". Estará a santinha parva?

15/3/06 3:40 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

A santinha subiu ao altar que a fez humana.
Como as pastorinhas faltaram à catequese a santa calou-lhes a ladaínha.

15/3/06 5:58 da tarde  

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