segunda-feira, março 13, 2006


TÃO LÍRICOS QUE NÓS ESTAMOS - MEDALHA DE OURO
-Sai da banheira Ofélia.
-Ó mãe, só mais um bocadinho.

















John Millais
Ofélia Morta
1851-52
Tate Gallery, Londres

-Estás para aí a tomar banho com pétalas de rosas. O dinheiro não te custa a ganhar! E eu aqui a passar a ferro.



















Edgar Degas
Laundress
1874
Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque

-Irra, que ninguém me deixa em paz. Qualquer dia mato-me.
-E eu ralada. Sai lá da banheira.
TÃO LÍRICOS QUE NÓS ESTAMOS - MEDALHA DE PRATA


Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado

nem na polpa dos meus
dedos
se ter formado o afago

sem termos sido a cidade
nem termos rasgado pedras

sem descobrirmos a cor
nem o interior da erva

Como é possível perder-te
sem nunca te ter achado

minha raiva de
ternura
meu ódio de conhecer-te
minha alegria profunda.

(Poema sobre a recusa, Maria Teresa Horta)

TÃO LÍRICOS QUE NÓS ESTAMOS - MEDALHA DE BRONZE




















Annibale Carracci
Atlas
Museu do Louvre, Paris

O meu olhar descia como um íman
ao centro mais ardente do teu corpo.

("Eros" de Alberto de Lacerda in "Eros de Passagem - Poesia Erótica Contemporânea")

Quando o modelo de nu se despiu pela primeira vez nas aulas de desenho, senti isto; o meu olhar a descer e a ruborização do rosto a aumentar. O embaraço era tal que nas primeiras horas (eram 4h de cada vez) desejei só desenhar a carvão, para não ter de olhar para "o centro mais ardente" com olhos de ver. Desenhar-lhe apenas uma mancha negra com uma quantidade exagerada de pelos púbicos que nunca existiram.

Oscilava entre o calão e os termos técnicos para discutir com o professor se a mão estava mais perto do... ou da... e se o.... era maior ou igual a duas mãos. Como as virilhas tinham "costas largas", tudo se resumia à virilha: "tens de desenhar a virilha maior", "a mão está pousada na virilha", "vê a desproporção entre o pé e a... virilha".Foi assim na primeira aula, com o meu olhar a repousar no centro ardente. A segunda aula foi numa manhã de sexta feira, Inverno posto, frio e impiedoso que o nu não aqueceu. Os lápis estavam alinhados e afiados: os "F" para as linhas estruturais, os "HB" para algumas consolidações e os "B" (principalmente o 8B) para as sombras, e traços sem remendo. Ninguém corou.

No fim, quando já lhe conhecia o corpo (sem nunca conhecer de facto a "virilha"), veio uma mulher sem a sua "virilha", sem segredos que caramba!Na minha vida só vi dois homens nus, ao vivo claro. Esta foi a primeira vez. (Mais tarde também soube o que era ser o "centro ardente" quando dava o rosto para a mesma causa.)

A diferença entre o prazer e o trabalho, é que no trabalho coramos e depois decoramos e no prazer, só coramos. O outro nunca nos é suficiente.