segunda-feira, março 13, 2006

BELOGUE NA FORMIGA BARGANTE - MEDALHA DE OURO
Kunstkammern e Entartetekunst
No século XVII as cortes europeias eram locais estranhos, embora já afastados do carácter de outrora. Passaram de ninhos de conspiração, morte e traição, para oligarquias, e destas para lugares que privilegiavam a circulação do conhecimento. Com a passagem do feudalismo, o Homem passou a ser encarado não como um guerreiro, mas como um cortesão. Ao mudar o conceito de guerra e a forma como esta se processava, mudou também o papel do homem na sociedade e na corte.
O mundo das cortes acolhe de forma entusiástica o Maneirismo porque este mostra uma imagem de requinte que as cortes necesitavam para se legitimar como centros de interesse e distanciar-se do seu passado menos recomendável. Os dois príncipes do Maneirismo foram Francisco de Médici e Rudolfo II. Este último vindo da Casa dos Habsburgo: era sobrinho/primo de Filipe II e filho de Maximiliano, vivendo assim entre o Catolicismo e o Reformismo. No seu tempo a Boémia estava mergulhada no caos e Rudolfo II isola-se no seu mundo não antes sem se fazer rodear de um universo humanista. Chamou até si Archimboldo, realizou experiências alquímicas, rodeou-se de charlatães e burlistas e conseguiu reunir um fantástico gabinete de curiosidades ou Kunstkammern.

Arcimboldo
Retrato de Rudolfo II

Eram salas onde se podia encontrar peças de diferentes países e fruto das visitas e conquistas dos monarcas, mas também peças exóticas, e estranhas, obras de arte, medalhística, antiguidades greco-romanas, raridades, coisas novas para a Europa, relojoaria (que Rudolfo montava e desmontava). As “curiosidades” amontoavam-se segundo a sua proveniência ou material, e misturavam-se umas com as outras. Foi esta a base do coleccionismo, embora a meu meu ver não seja a base da museologia, uma vez que estas colecções eram mais apreciadas quanto mais escondidas estavam.

William van Haecht
Archduke Albert visits the kunstkammern of Cornelius van der Geest
1628
Rubenshuis, Antuérpia


No século XX, em 1937 o regime nazi faz uma mostra de arte degenerada ou Entartetekunst. Era arte degenerarda toda a arte moderna que, baseado num conceito (curiosamente) de um judeu de que as deformações que produzimos são deformações de carácter, [uma espécie de inversão do neoplatonismo tradicional como o fez Goethe: o que está dentro está antes fora)], o regime nazi tomou todas as formas de arte que não privilegiavam o figurativismo. No fundo esta era uma das muitas justificações para certas formas de arte serem consideradas degeneradas: eram realizadas por artistas judeus ou de raça não ariana, colocavam em causa o ideal nazi de supremacia e hegemonia, ao retratarem o corpo feminino nu na sua fragilidade e defeitos eram um insulto às mulheres alemãs, eram de difícil compreensão simplesmente porque a sua compreensão obrigava a alguma aceitação e abertura. Havia ainda o facto de a Alemanha viver um período difícil de tal forma que um pouco de alimento era muito caro. Estas obras de arte que atingiam preços exorbitantes eram uma afronta a uma Alemanha debilitada.
Joseph Goebbels, Hitler e Adolf Ziegler de visita
à exposição nazi de arte degenerada


Por isso o regime promoveu uma exposição itinerante que começou em Munique e percorreu mais oito cidades entre a Alemanha e a Áustria. As obras de arte consideradas más eram dispostas nos locais de exposição de forma que não pudessem ser sequer apreciadas. Aliás as exposições serviam não para apreciar, mas para depreciar. As pinturas eram colocadas lado a lado e uma por cima das outras, penduradas por uma corda a cobrir totalmente as paredes dos espaços expositivos, sem moldura e acompanhadas de frases de insulto escritas na parede. Tal como nas kunstkammerns, havia uma divisão temática e que se prendia com as diferentes visões da religião, a arte judaica e a representação modernista da mulher. Os alvos preferenciais eram os artistas dadaístas, os surrealistas e os expressionistas. Cá fora faziam-se filas semelhantes às do Pavilhão de Macau na Expo 98 para criticar e refrescar na memória o que era proibido apreciar e para picar o ponto frente aos oficiais nazis.

Oficiais nazis na exposição da Entartete Kunst
em Dusseldorf, 1938
Com o primeiro exemplo aprendemos a partilhar e com o segundo espero que tenhamos aprendido a não espartilhar.
BELOGUE NA FORMIGA BARGANTE - MEDALHA DE PRATA

Cenas da vida conjugal

Epimeteu, homem sério e pouco dado a romantismos até encontrar a fogosa e mimada Pandora, vivia pacatamente entre a leitura do Jornal desportivo e as idas dominicais a casa da mãe viúva, D. Amélia Castro de Almeida e Rosa. Após o casamento com a sua lolita, "uma dádiva dos céus" assim a considerava frente à mãe que nunca aprovara a união, embora na intimidade do lar pensasse que Pandora era mais "uma dádiva do Demo", tinha-se tornado um tipo dado a decorar datas importantes, a apreciar as modas, a trazê-la como um bébé: bem alimentada de amor e atenção.
No dia do seu primeiro aniversário de casamento Epimeteu chega a casa com um grande embrulho. Ele tinha-se lembrado e havia comprado algo; ela também e tinha esperado todo o dia até às 7 horas da tarde para receber algo. Disse o marido:
- Pandora, Pandinha, o teu Epizinho chegou a casa.
- Ó meu Epi!!!
- Dá beijinho, dá!?- e já se agarravam logo numa dança que misturava o tango e e luta greco-romana
- O amorzinho do Epizinho sabe que dia é hoje, sabe?
- Claro que sei tontinho - dizia ela enquanto lhe enfiava a mão entre os cabelos e a outra mão por todo o corpo - é o dia do nosso primeiro aniversário de casamento. O meu Epizão achava que me ía esquecer?
- Não sei, não sei...Não sei se a Pandinha gosta de mim. - respondia Epimeteu fazendo beicinho.
- Ó bébé, claro que gosto!
- Então diz!
- Meu Tarzan da mitologia, meu moranguinho dos deuses, minha ambrósia Vintage, meu Epi...
- Diz, diz,...
- Meu Epi, Epi, Epi...
- Diz amor...
- Meu Epicentro do vulcão que é o nosso amor. E depois disto, amassavam-se um ao outro com beijos, colchetes desapertados e cabelos desalinhados. Desarrumavam-se até Pandora se lembrar e soltar, enquanto de desembaraçava dos braços dele e colocava o fusível do "money rules":
- Então e o que é que trouxeste para mim? - disse ela compondo o cabelo.
- O teu Epizinho trouxe-te esta caixa - e depositou-lhe no colo o presente embrulhado num lindo papel de fantasia, assim como lhe depositou um beijo na nuca, ao qual ela reagui com um risinho de arrepio e nervosismo.
...

Jules-Joseph Lefebvre
Pandora
Museo de Bellas Artes, Buenos Aires
- Uma caixa?
- Sim amor, uma caixa?
- Uma caixa para quê? Ainda por cima de música? O que é que isto significa, hã?
- Mas não gostas? Pensei que fazia o teu género. E aliás a música é uma coisa enraízada na nossa família...
- Na minha família! Eu é que sou de origem divina, fui criada pelos deuses. Tu és filho dos mortais. Nunca te esqueças disso meu menino.
- Mas qual é o problema, não gostas de música?
- Gosto, mas quando vi uma caixa pensei que seria uma caixa de sapatos Jimmi Choo, ou uma caixa Louis Vuitton, ou uma caixa de jóias, mesmo que fosse uma jóia pequenina. Agora uma caixa de música, puff!!! para que é que eu quero música?
- Mas tem aqui todos os nossos sucessos românticos: "How deep is your love" dos Bee Gees, Ivete Sangalo, Demis Roussous, tudo o que tu gostas, Celine Dion...
- ....
- Então Pandinha, não dizes nada ao teu vulcãozinho?
- Digo! Digo que daqui em diante o meu vulcãozinho não precisa de se preocupar em ter erupções a horas certas porque nesse departamento eu estou de greve...
- Pandinha, não faças isso ao teu Epizinho...
- E digo que teria feito muito melhor se tivesse casado com o teu irmão.
BELOGUE NA FORMIGA BARGANTE - MEDALHA DE BRONZE


Honore Daumier
The trird class carraige
1863-1865
The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
"Aos domingos as estações de comboios enchem-se de gente que saída de uma semana de trabalho procura, assim como se fosse obrigatório, um restinho de divertimento. Deslocam-se como massas de ar, trocam receitas e as páginas do jornal, falam sobre o tempo e no fim, desaguam na mesma cidade com o propósito de se divertirem. E não regressam para o comboio que os levará de volta ao sítio de onde vieram sem encostar a cabeça no companheiro de divertimento e dizer “estou cansado”. Encerram nestas palavras as outras, aquelas que deveriam de facto ser ditas. “diverti-me”.

Se seguirmos a massa da estação na sua intenção disforme de divertimento e nos detivermos nela, não notamos que na volta, aquilo que era indefinido, é agora muito concreto, de forma que toda a gente espera apanhar o comboio certo, chegar à localidade certa, abrir a sua porta de casa, notar a intimidade do que o rodeia, ao contrário do início da viagem em que tudo era novidade e incerteza. Se assim o fizermos, tomarmos o mesmo comboio, sairmos na mesma estação e subirmos a mesma rua, podemos notar no fim, com algum desapontamento que aquela não era a nossa viagem. Ainda que o fizéssemos por curiosidade, aquela nunca seria a nossa viagem."

(in, O simétrico)