terça-feira, março 14, 2006

O CARTEIRO

Museus

Creio que não terá sido Duchamp e os seus objects-trouvées. Creio que já antes, no Futurismo se notava uma oposição, se não ao museu, pelo menos à obra de arte. E não será a mesma coisa? A forma actual do Museu de Arte tem cerca de dois séculos e (três séculos tem a Revolução Francesa e por consequência, o reconhecimento da condição humana), não vindo directamente das Kunstkammer (que pretendiam aprisionar os objectos e o fetichismo de possuí-los só para uma pessoa), virá mais da própria palavra mouseion (denominação grega de local dedicado às musas que por sua vez eram filhas de Mnemósine – deusa da memória - e Zeus); ou seja, o Museu é um local onde o Homem se reencontra com a memória, com um passado. Nas palavras de Georges Bataille: “The museum is the colossal mirror in wich man, finally contemplating himself from all sides, and finding himself to the ecstasy expressed in art journalism.” Isto é praticamente a descrição da obra de arte que sintetiza o Museu; ou seja, “As meninas” de Velazqués, onde o observador, estuda uma obra que por sua vez também já está a ser observada (veja-se a imagem de duas figuras reflectidas no espelho, algo que Manet mais tarde veio a fazer, com outros propósitos, no seu “A Bar at the folies Bergéres”.

E tal como o poeta, também eu tenho pena de não poder determinar o ponto de mudança, em que os artistas, cansados desta exposição pensada que criam à volta das suas obras, desta subversão da obra de arte – que os museus fazem ao, invés de albergar, apropriarem-se antes e determinarem a forma como as obras devem ser apreciadas -, tomaram a dianteira e utilizaram contra o pedantismo museológico a melhor arma, o humor. Teria começado pelo próprio nome “Dada” ou pelo bigode da Mona Lisa? Seja como for, depois do bigode, muitos foram os artistas que desconstruíram a ideia de Museu ou até se opuseram a ela, com intervenções que ridicularizam o Museu, que o descontextualizam ou mesmo, que mostram (desejam?) o seu negro futuro (como uma espécie de conto de Natal).
Duchamp parodia a mania de compartimentar a obra de arte com a sua Boîte-en-valise onde reproduções miniaturais de obras de arte (Se as dimensões de muitas obras de arte que apreciamos nos fosse revelada, talvez essas obras perdessem para nós o valor que lhes damos, tal é o seu tamanho diminuto. Classificamos de bom ou mau um objecto artístico também em relação ao seu tamanho. Quantos de nós já não ouviram a obra X é uma desilu~são por ser tão pequena).

Marcel Duchamp
Boîte-en-valise
1968
Herbert Distel fez o mesmo com o seu Museum of Drawers onde podemos encontrar cerca de 500 obras em miniatura de artistas mais ou menos conhecidos.

Herbert Distel
Museum of Drawer
1970-1977
Museum of Modern Art, Nova York
Também Susan Hiller desmanchou a ideia de museu com a obra From the Freud Museum que contém vários objectos colocados em caixas, embora não se desconheça se o que está dentro das caixas corresponde à sua descrição. (Semelhante ao que se passava com “Todos os Nomes” de José Saramago em que não sabíamos se quem estava dentro das campas era a mesma pessoa cujo nome figurava na plaquinha).
Susan Hiller
From the Freud Museum
1991-1996
Tate Gallery, Londres
Claes Oldenburg por sua vez criou o Mouse Museum, uma espécie de museu/mausoléu, onde estão encerradas cerca de 400 objectos da cultura de massas e da produção em série enquadrados numa moldura que tem a forma de rato mickey. (o re-design do museu).
Claes Oldenburg
Mouse Museum
1965-1977
Museum of Moderner Kunst
E porque os museus não são só de arte, Lothar Baumgarten recolheu entre 1968 e 1970 um conjunto de fotografias de museus etnográficos e colocou-os à consideração do observador para este ter a percepção da forma como estes estavam colocados nas salas de exposição. A obra de Baumgarten chama-se Unsettled Objects e o objectivo é descontextualizar ainda mais a obra de arte: é descontextualizada quando entra no museu e é descontextualizada quando fotografada e colocada à vista do observador em outro local. (ler então “Viagem à irrealidade quotidiana” de Umberto Eco, um passeio pelos museus americanos e pela forma como a História e as histórias são forjadas para nos orientarem para o que se pensa ser melhor para nós. Um exemplo que não vem no livro: o museu mais visitado em Portugal é… o museu das aparições em Fátima!).
Lothar Baumgarten
Unsettled Objects
1968-1969
Marian Goodman Gallery, Nova Iorque
Há também Uma pinacoteca embrulhada de Christo e por fim, dois quadros de Kolmar e Melamid (os mesmos que fizeram o estudo das pinturas mais e menos desejadas) que mostram o futuro de dois museus de arte: destruídos, em ruínas e em ambiente pastoril.
Christo
Kunsthalle
1968
Berna
Por isso os artistas saíram do museu e começaram com as suas performances públicas e em locais díspares da cultura museológica (grupo de Barcelona), ou a aproveitar esses espaços para fazer arte, abandonando os materiais geralmente considerados nobres (Land Art). É no fundo levar à letra a expressão de Klein: "expôr o vazio".

1 Comments:

Blogger [A] said...

mas eu gosto de museus!!! e desses nos quais somos induzidos a fazer determinado circuito!!!

1/4/06 11:12 da tarde  

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