segunda-feira, abril 25, 2016

- ars longa, vita brevis -
Hipócrates

não, não, não Gerome. Não!
Vou ser muito honesta Gerome. Podia dizer "ah, gosto muito de ti, mas...". Mas nada! Não gosto muito de ti. Não é nada pessoal, é mesmo a tua pintura que me dá vontade de "me esgromitar" toda. Pá, não gosto dos Neoclássicos, que queres?! Mas o pior não é esta evocação da Antiguidade fora de tempo; é mesmo o polegar para baixo. O pessoal ficou a acreditar que quando o imperador voltava o polegar para baixo, o gladiador devia morrer, mas a verdade é outra. O punho cerrado é como uma espada embainhada: o polegar para cima significa, isso sim, a espada desembainhada, logo, o gladiador deve morrer. A expressão do teu quadro - "Pollice Verso" - quer dizer "polegar virado" e não "polegar virado para baixo". Aliás, a expressão era "pollice compresso favor indicabatur" que quer dizer "a boa-vontade é decidida mantendo-se o polegar escondido".
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Jean-Léon Gérôme
Pollice Verso
1872
Museu de Arte de Phoenix




 
 
 
 
Queres provas, não é Gerome? Pois cá vai: em 1997 foi descoberto no Sul de França um medalhão romano do século II, o Médaillon de Cavillargues, que mostra dois gladiadores no fim da batalha e o árbitro com o punho cerrado. A inscrição presente no medalhão diz "quem está de pé deve ser libertado" (Stantes Missi).
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Por tua causa ficou toda a gente a pensar que o polegar para baixo significava morte. E tu também não fizeste a coisa por menos: colocaste logo as vestais (as virgens que cuidavam do fogo sagrado) a fazer este gesto, o que é o mesmo que dizer: "tão puras, tão puras e vai-se a ver, são umas grandes malucas". Bom, é claro que houve quem defendesse que esta coisa do polegar tinha conotação sexual pois a palavra polegar ("pollex"), derivava de poder ("polleo"). O polegar teria então alguma ascendência sobre os outros dedos. Era o único que não necessitava de anéis e por isso estava relacionado com os genitais masculinos, da mesma forma que os dedos que levavam anéis estavam relacionados com o coração. Havia até quem defendesse que o polegar tinha propriedades apotropaicas, e era capaz de afastar o diabo e o mal. Hoje em dia fazemos o mesmo mas com o dedo médio: pode não afastar o mal, mas às vezes é uma boa resposta a perguntas idiotas.
A Antiguidade tinha qualquer fascínio com os falos. A palavra "fascínio" é mesmo a palavra certa. Fascinum era o nome pelo qual os romanos designavam o falo. Para eles - se calhar mais para elas e para alguns eles - o falo era sinónimo de prosperidade, fertilidade, poder e sorte e por isso eram muitas vezes encontradas representações de falos à entrada de edifícios romanos. Há até a história de Valéria e Sila Félix (Félix quer dizer "feliz"). Ela diz-lhe: "gostaria de partilhar a tua felicidade" e de facto mais tarde dorme com ele. Isto lembra de certa forma o Último Tango em Paris (não é a cena da manteiga), mas antes o "A tua felicidade é a minha felicidade". À medida que Roma caminha para a sua queda (devido a uma sucessão de maus imperadores que fizeram alianças pouco confiáveis com povos bárbaros, à presença destes nas portas de Roma, à corrupção e ao facto do Império ser demasiado grande), a felicidade passa a ser apenas isso: o falo, a abundância, o excesso, o espectáculo; ou seja, a "órgia", como dizia alguém... O ideal grego da felicidade enquanto trabalho em prol da pólis, a virtude, o equilíbrio da alma, vai-se, ao mesmo tempo que a arte grega deixa a temática intangível, os corpos idealizados e perfeitos e prefere-os moribundos e sofridos.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laocoon and His Sons
Museus do Vaticano, Vaticano