- o carteiro -
os humanos de hoje são herdeiros diretos da revolução Francesa e das Luzes. Descobriram a subjectividade e por consequência, o seu estatuto privilegiado que atenua as diferenças entre pessoas, bem como transforma cada uma delas em pequenos VIP no seu microcosmos. Por fim, o homem vindo da revolução francesa sentiu finalmente a força para rejeitar Deus. Com isto porém, e sem Deus para explicar o inexplicável, o homem sentiu-se sozinho no Universo, necessitando então de acreditar em algo. Foi então que começou a acreditar na cultura e foi igualmente a partir daí que se tornou individualista. Até às Luzes, a vida em si, o mundo tinha profundidade metafísica. As Luzes vieram relativizar tudo isso e coube portanto ao homem atribuir significado e valor às coisas como por exemplo, a arte (foi aqui que se desenvolveu, e muito, o turismo, mas também as galerias de arte, os museus e a literatura de viagem).
Estamos hoje mais do que nunca relacionados uns com os outros, temos acesso a informação como nunca antes e um novo mundo se forma todos os dias ante os nossos olhos. Hoje cada um de nós tem as ferramentas para criar: a criatividade é uma forma de vida da atualidade. Vivemos no auge do mundo individualizado, a fronteira entre criadores e consumidores é cada vez mais esbatida e a criatividade é hoje a qualidade individual mais apreciada - e sobreestimada! É esta a razão para o culto do artista. Mas neste mundo cada vez mais povoado, não basta ser um bom artista; é necessário ser o melhor de todos. Porquê? Porque foi sempre assim. Desde que começamos a colaborar em pequenos grupos e percebemos que uns eram melhores que outros em determinada tarefa, esta posição passou a ser invejada. Porém, num contexto mundial de 7 biliões de seres humanos, ser o melhor é cada vez mais difícil e mais ambicionado já que ser o melhor significa pertencer a uma percentagem muito pequena, uma elite. Mas com um mundo cada vez mais global, ser o melhor pode passar por obter um conhecimento privilegiado, que não esteja ao alcance de muitos, já que a aquisição de know-how nos torna a todos muito semelhantes. É por isso que hoje, e cada vez mais, as diferenças que separam os melhores dos outros que lhes ficam imediatamente atrás são cada vez mais pequenas. O mesmo acontece na arte: as pequenas diferenças que demarcam um de outro artista, potenciam a importância do artista. O que não quer dizer que a importância que é dada ao artista seja sinónimo de qualidade na sua obra! E como é que a cultura; ou seja, nós, conseguimos distinguir o melhor? O melhor de hoje em dia é aquele que apresenta obras mais diferenciadas e acessíveis. Mas como distingui-lo entre os outros se cada vez temos mais solicitações visuais? Temos cada vez mais museus, exposições, artistas... e estes já não se debruçam sobre questões fundamentais. Os artistas de hoje criam para um estereótipo que não é apenas a pessoa que vê, mas também, e sobretudo, a pessoa que compra, através de uma linguagem própria: tem de parecer arte, tem de ser palpável e única, tem de ser legitimada pelas exposições (mas também por instituições como os bancos), tem de ser previsível e coerente de forma a criar um estilo. mas também tem de ser autêntico e original e aqui é que começam os problemas pois isso implica uma sobrevalorização da originalidade o que por seu turno leva a uma corrida em busca da novidade e por vezes, à deglutição do novo sem qualquer digestão ou pensamento crítico acerca do mesmo. acredita-se que o que os artistas fazem é cultura, mas tudo é cultura, esteja numa tela, numa pedra ou num bit, sejam passarinhos a cantar dentro de gaiolas douradas ou uma senhora a vomitar uma pizza.
hoje não conseguimos explicar uma obra de arte presente num museu sem lermos o que está escrito na legenda. com sorte não encontramos lá um "sem título". isto é quase como se um artista tivesse escrito um romance e depois um outro livro a explicar o sentido do romance. o mesmo se passa nas exposições: as exposições são livros que explicam ao observador o que o artista quis dizer. Nem sempre foi assim, só a partir dos anos 70, quando o conceptualismo e o academismo deram as mãos. isto fez com que as obras de arte fossem descritivas, narrativas e agradáveis, acessíveis; ou seja, era necessário vestir as ideias (os bonecos do kons, o tricot da vasconcelos... são isso mesmo: vestir de forma atraente uma ideia). o artista de hoje veste ideias e as exposições são desfiles de moda, onde o mais bem vestido é também o mais vestido, o que tem e transmite muitas ideias, o que é universal e ambíguo, isto porque o artista de hoje não quer que se pense que não tem ideias. por isso sobrecarrega-nos de coisas: ao dizer tudo o artista não está a dizer nada definitivo e por isso continua a ter a atenção de todos. no fim, o que nós temos é um cabide cheio de metáforas e formas de representar a ideia, mas já não temos a ideia em si! Este não comprometimento do artista prende-se com a sua necessidade de ser amado e admirado. Mas o que acontece é que estamos no mesmo sítio: começámos por explorar a arte numa direção, voltámos atrás e estudámos outros caminhos, mas agora já demos a volta e não sabemos mais que ideia é importante, o que é que é importante para a arte. Não vamos nunca voltar a fazer arte pelo amor à arte, nem sei se isso alguma vez aconteceu. como em tudo é necessário moderação, mas podemos ser mais honestos, não esperar reconhecimento ou pagamento, parar de tentar agradar a todos e acima de tudo, seleccionar. lá porque sai da nossa cabeça, não quer dizer que seja bom. o cabelo também sai da nossa cabeça...
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1 Comments:
Muito bom o seu press release!
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