- o carteiro -
Van Gogh
Fifteen sunflowers in a vase
1888
National Gallery, Londres
quando a minha idade era outra que não esta eu achava que namorar devia ser muito "fixe". "fixe" era a palavra que o pessoal de 6, 7 anos que queria ser "fixe", usava na altura. eu nunca recebi uma carta de São Valentim, tanto que passei a ser daquelas miúdas que se juntavam aos rapazes que recebiam as ditas cartas, debruadas a rosa e com bolas e corações em vez de pinta sobre os "is", e ficava o tempo do recreio a gozar, a rir, a fazer desenhos maldosos nas palavras sentidas das pobres. e depois fazia o mesmo juntando-me às raparigas, desdenhando da falta de romantismo dos rapazes da primeira classe... tãããão imaturos! ainda pensei em juntar-me a mais meia-dúzia igual a mim e enviar cartas falsas tanto a rapazes como raparigas, mas a verdade é que esses rapazes e raparigas começaram a namorar uns com os outros. todo um vocabulário não propriamente novo, mas muito aliciante, estava disponível. "namorar" era "passar o recreio todo com", "dar a mão" era "um beijo", "um beijo" era "fazer sexo", "mostrar as cuecas atrás de um arbusto" era excomunhão e chamada do encarregado de educação à escola. para além da vergonha de muitas vezes não termos as cuecas mais sexys porque tinham sempre desenhos, ou risquinhas ou eram de cores berrantes como as cuecas da Barbie que se usavam muito. havia também um jogo que, às escondidas, as miúdas menos populares faziam. eu fazia, confesso. consistia em fazer um quadrado no centro do qual se escrevia a idade com que desejávamos casar. havia quem dissesse 18 anos. todas exclamávamos: "tão cedo?". e para mostrarmos que éramos muito mais independentes e que o amor era só uma parte da vida, escrevíamos no nosso jogo, "28". quem queria ser mesmo radical, escrevia "30", mas aí já ninguém ligava porque todas achávamos que aos 30 anos estaríamos mortas. em cima do quadrado, na parte exterior escrevíamos "1", "2" e "3" números estes que correspondiam ao número de filhos que desejávamos ter. desconhecíamos a esterilidade, a infertilidade e a opção de não ter filhos. afinal, nós éramos o resultado da opção contrária. do lado esquerdo do quadrado, exteriormente colocávamos três nomes que correspondiam a três pessoas com quem desejávamos casar. Essas pessoas tinham sempre entre 6 anos (ai ai... os rapazes imaturos), e 28 anos (ai ai... o George Michael...). do lado direito ficavam os nomes de três locais onde gostaríamos de passar a lua de mel. eu escrevia sempre egipto e madrid porque gostava das consoantes mudas e rematava por vezes com um lugar exótico: caraíbas. que eu não sabia onde ficavam. também dizia Taiti, porque a Barbará tinha um gel duche com embalagem paralelepípedica que se chamava Taiti-com monoi. Em nunca dizia "passa-me o Taiti" dizia "passa-me o Taiti Comónoi". Não me lembro do que me calhava, mas acho que saía satisfeita. depois amarfanhava a folha para a minha mãe não ver. sentia que lhe fazia uma traição e acima de tudo, que traía deus. mais tarde, já com 15 (ai ai, as raparigas imaturas...) fazíamos um outro jogo: escrevíamos o nome dele seguido de "love" seguido do nosso nome. Depois contávamos as vezes que apareciam as letras. passo a exemplificar: Maria love João= 131113111. depois somávamos os números dos extremos, o que segundo o exemplo dava 24241. novamente: 382 e por fim: 58. neste caso a Maria gostava do João 58%. era ver darmos pulos de alegria quando a percentagem chegava perto dos 100%, no liceu, cá fora, frente às salas de aula dos outros. quando não dava, era o jogo que estava errado. por causa disso, por fazermos barulho frente às janelas das salas de aula dos outros e por darmos beijos na boca umas às outras, diziam cobras e lagartos de nós, mas éramos tão inocentes!!! no fundo acreditávamos que o jogo do quadrado e todos os outros jogos que nos preconizavam uma vida amorosa plena de alegrias eram a mais pura verdade, mesmo que não existisse mais o Taiti.
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