- ars longa, vita brevis -
hipócrates
ando a ficar sem ideias para este antes e depois, mas lá vamos arranjando qualquer coisinha. isto hoje é só mesmo "uma coisinha", porque este antes e depois está muito pobre. mas para não desiludir ninguém, cá vai: bernini e pós-bernini. este bernini era um portento: para além de escultor, era pintor e arquitecto/urbanista. foi ele que levou a cabo uma modificação na rede urbana de Roma por volta de 1600-1650 e por ordem do Papa Urbano VIII. E foi um dos melhores escultores que a história da arte nos trouxe; basta lembrar aquela mão de Plutão na coxa da Proserpina, com as almofadas de carne dela entre os dedos dele. Pois é essa escultura que nos traz, em parte, até aqui. Plutão era deus do mundo subterrâneo, das forças que, não sendo do mal, também não são propriamente do bem. eram as forças que os gregos sabiam existir, que respeitavam, às quais prestavam culto quando necessário, mas que mantinham separadas do mundo dos vivos. um dia, Plutão viu Proserpina e, achando que era mesmo de uma mulher como aquela que precisava, resolveu raptá-la e casar com ela, levando-a por consequência para esse mundo subterrâneo. tudo podia ter ficado por aqui, não fosse Proserpina ser filha de Ceres (deusa da fertilidade e das colheitas) e de Júpiter. a mãe, Ceres, ficou desvairada e destruiu as colheitas, os frutos e as flores exigindo de a filha de volta. mas esta já não podia voltar a viver de forma efetiva no mundo dos vivos. arranjou-se assim uma solução que, se não foi do inteiro agrado de todas as partes, foi o menos mau: Proserpina viveria metade do ano no mundo dos vivos (altura em que a mãe ficava contente e deixava tudo florescer - esse meio ano correspondia à primavera) e a outra metade no mundo subterrâneo, enquanto a mãe, com chuvas, trovoadas, neve e granizo destruía as colheitas como é próprio do inverno. (a correspondente a Ceres, no cristianismo, é nossa senhora das candeias).
entre os muitos episódios que poderiam retratar, como por exemplo, mãe e filha juntas, os artistas preferiram o momento do rapto de Proserpina. Bernini, por exemplo, preferiu, e na minha opinião fixou, a pose enrodilhada dos corpos de Proserpina e Plutão como modelo mais próprio do Maneirismo do que do Barroco. a escultura incorpora vários momentos da história. quando é vista do nosso lado esquerdo, a escultura mostra Proserpina a ser agarrada. Embora a mão forte de Plutão se encontre do outro lado, este momento é um "antes" já que ele agarra nela, mas nada nos diz que fique com ela. Aliás, ela resiste empurrando a cabeça dele com a mão. De frente a escultura confirma não só o ato de Plutão como consolida-o já que ela está a chorar (seria portanto um "durante"). Porém, se olharmos do nosso lado direito, vemos atrás dos dois corpos, Cérbero, o cão guardião dos infernos que ladra. ora que ele ainda estava a agarrá-la, não pode ao mesmo tempo estar no Inferno já que Plutão raptou-a do mundo dos vivos. o cão indica portanto o "depois".
ora eu não pensava que poderia fazer aqui uma comparação entre uma escultura e uma pintura, mas aconteceu após seis anos de belogue. é que este bernini parece ter inspirado um pormenor do rapto das sabinas deste senhor sebastiano ricci. quanto ao rapto das sabinas, é talvez o primeiro episódio de síndrome de estocolmo. mas em roma.
PS. Há uma diferença que me esqueci de referir. A mão de Proserpina que atinge a cara de Plutão é mais tarde a mão que segura a cabeça confusa de uma sabina.
PS2. as comparações não se estabelecem só pelas semelhanças, mas também (e essas são as mais difíceis), pelas diferenças
PS3. António, pelo amor da santa não fique aborrecido!
Bernini
O rapto de Proserpina
1621-1622
Galleria Borghese, Roma
The rape of the sabine women
1700
Liechtenstein, Museum, Viena
4 Comments:
adorável (smile) tudo :)
tudo menos "ato" que prefiro com "c" (smile)
isto é que eram (oops) escultores
não é assim muito adorável, mas ando a preparar aqui um outro... esse vai ser melhorzinho.eu acho que tenho uma ideia um pouco romântica e burguesa de que aquilo que é antigo é que é bom. com as coisas a correrem à velocidade da luz, coíbo-me de gostar de (quase) qualquer coisa atual pois o tempo não operou ainda nas peças o seu efeito. e continuo a achar que a figuração tem as suas prerrogativas face à abstração. por isso continuo a gostar tanto de bernini
também gosto muito dos meus modernos e da minha abstração (zinha)
eu também gosto, não estou a dizer que não, mas tenho de facto uma preferência pela figuração. mas se calhar é de mim, é um defeito meu...
Enviar um comentário
<< Home