segunda-feira, outubro 10, 2011

- o carteiro -

aconteceu-me por estes dias algo extraordinário (não, não é o "piquenique de burguesas"). cheguei a casa de uma amiga, abracei-a ela disse-me: "estás a usar XXX, não estás?" Antes que pensem que uso o perfume do Hugh Hefner deixem-me dizer que o perfume tem um nome, mas não vale a pena dizer. E depois a minha amiga disse: "ai meu deus! esse perfume faz-me lembrar os nossos 16 anos".

Foi a minha madalena da chávena de chá. quer dizer, seria a minha madalena se eu comesse bolos, mas dá para perceber a ideia. quando ela me disse isto - sim, de facto uso, com excepções muito pontuais, o mesmo perfume desde os 16 anos de idade - percebi que passaram outros 16 anos da minha vida. ao contrário do Proust, eu não recordo quase nada daquilo que fiz desde essa idade até aos meus 24 anos, 25. senti de repente que o tempo estava a fugir, que não o podia perder. eu só teria, na melhor das hipóteses, mais 50 anos de vida! e tudo aquilo que queria fazer? e os meus pais? e os meus amigos? e se eu morresse sem ter feito tudo, sem ter aprendido tudo? eu usava o mesmo perfume!!! nada tinha mudado, eu não tinha mudado e no entanto, porque é que não me lembrava de nada? "é que se é tudo igual, nem devias sentir este pânico a sufocar-te", pensei. "no news are good news. se não te lembras é porque no fundo foi tudo como sempre: tudo igual". mas... e se eu olho para trás e vejo, um dia, que foi tudo igual? que na minha vida foi sempre tudo igual? que tudo foi bege, neutro. quão ridículo pode ser mudar a vida, mudar a nossa vida a partir de uma idade? senti-me velha, cansada. não tive vontade de sair dali e ir divertir-me, mas de ir dormir. é que há uma força em mim, maior do que eu, que me impele a não dar um conjunto de passos que posso ou não dar, mas que geralmente não dou por achar que todas essas obrigações de convivência social são aborrecidas, são cansativas e por achar que quebrá-las poderá acrescentar ao número de experiências vividas, mas não em cor à existência. todos esses divertimentos obrigados cansam-me. saio de uma noite de diversão com amigos, de uma tarde de chá com amigas, cada vez mais velha, como se tivesse feito um esforço sobre-humano para não mostrar o que me custa este preenchimento do curriculum da vida. é que mesmo quando tento encher a vida porque dizem que é normal, o que me sobra é sempre o cansaço e o esquecimento. todas as horas, chás, jantares e risadas fogem-me da madalena.