- o carteiro -
"Tenho um velho parente que serviu o rei durante cinquenta e dois anos. Retirou-se para a alta Alsácia, onde tem um pedaço de terra que cultiva, na diocese de Porentru. Quis um dia ordenar uma última lavoura no seu campo; a época avançava, o trabalho urgia. Os seus criados recusaram o serviço e deram por razão a festa de Santa Bárbara, a santa mais festejada em Porentru.
- Meus amigos - disse-lhes o meu parente -, já estiveram na missa celebrada em honra de Bárbara; deram a Bárbara tudo quanto lhe é devido; dai-me a mim o que me deveis: cultivai o meu campo, em vez de irdes à taberna. manda Sannta Bárbara que vos embebedeis para lhe render homenagem e que me falte trigo este ano?
O capataz disse-lhe:
- Senhor, sabeis bem que serei amaldiçoado se trabalhar num dia tão santo. Santa Bárbara é a maior santa do paraíso: ela gravou o sinla da cruz numa coluna de mármore com a ponta do dedo; e com o mesmo dedo e pelo mesmo sinal, fez cair todos os dentes de um cão que lhe mordeu as nádegas. Não trabalharei no dia de Santa Bárbara.
O meu parente mandou vir os lavradores luteranos e a terra foi cultivada. O bispo de Porentru decretou a sua excomunhão. O meu parente considerou-a uma injustiça; o processo não foi ainda julgado. Seguramente, ninguém está mais convencido do que o meu familiar que é preciso honrar os santos; mas assevera igualmente que há que cultivar a terra.
Suponho haver em França cerca de cinco milhões de trabalhadores, sejam braçais, sejam artesãos, que ganham cada qual, mais ou menos, vinte sous por dia, e são santamente forçados a nada ganhar durante trinta dias por ano, independentemente dos domingos: o que resulta em cento e cinquenta milhões a menos em circulação, e em cento e cinquenta milhões a menos em mão-de-obra. Que poderosa superioridade não deverão ter sobre nós os reinos vizinhos que não têm nem Santa Bárbara nem bispo de Porentru! A essa objecção é respondido que as tabernas, abertas nos santos dias de festa, contribuem bastante para a bonança geral. O meu parente reconheceu-o; defendia, porém, que essa era uma ligeira compensação, e que, além disso, se se pode trabalhar depois da missa, poder-se-á ir à taberna depois do trabalho. E insistia que esse era um assunto de pura organização governamental, de modo algum episcopal; sublinhava que vale mais trabalhar do que embebedar-se. Receio muito que perca o seu processo".
(Diálogo do frango e da franga, Miscelânea, Capítulo XIV, página 43-44)
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