quarta-feira, fevereiro 11, 2009

- ars longa, vita brevis -
hipócrates


Carlos against Federico ou dois homens e um destino:

Lucas Cranach the Elder
Portrait of Charles V
1533
Museo Thyssen-Bornemisza, Madrid

Piero della Francesca
Portrait of Federico da Montefeltro
1465-66
Galleria degli Uffizi, Florence

Do lado direito do ringue temos Federico da Montefeltro e do lado esquerdo, Carlos V. Comecemos pelo primeiro. Federico era um condottiero, um homem de guerra ou um mercenário. Os condottieri eram mercenários que trabalhavam para grandes instituições como o papado ou cortes. Nasceu filho ilegítimo dos senhores de Urbino, mas só gozou do trono quando o seu meio-irmão, filho legítimo foi assassinado pelo povo (talvez devidamente instruído por alguém...). Mesmo com a suspeita sobre a sua cabeça, Federico assume o trono e não obstante esta mancha no seu percurso, era para a época um homem sério, um grande estratega que trouxe para o seu Estado grandes benefícios. E mesmo assim, qual gestor do BPN, era um humanista formado em Mântua que por ali ficou refém para ser obrigado a guerrear com as outras cidades-estado. Naquele tempo era um "vê se te avias" ou "vê se avias mais pedaço de terra". Note-se que Federico não podia separar o seu lado de humanista do seu lado de cortesão: tinha de continuar a fazer as suas guerras, a ser sociável e um líder, mas tinha interesses que não eram comuns para a época: interessava-se pelo Homem e por conhecer o seu lugar no Mundo e a sua posição no Universo. Interessava-se pela proporção, pela regra, pela ciência, pela arte e pela medicina. Pela astronomia e pela alquimia. Como tudo era desconhecido, tudo era objecto de desejo para os humanistas. Cedo Federico se apercebe que o seu Estado conquistado graças à força das armas necessitava de ser "dourado" ou adocicado para que a lembrança da guerra não fosse mais fresca que o gosto suave da paz e da prosperidade. É por causa disto e por causa do seu humanismo que Federico vai fazer de Urbino uma grande corte.

Ao contrário de outros homens do seu tempo como César Bórgia que era execrável, Federico era um homem justo e que tentou aplicar as teorias humanistas à sua forma de governar: criou um palácio que sai fora da matriz Palácio-Fortaleza, manda vir vários artistas do resto de Itália e instala-os na sua corte, rodeia-se dos mais completos e belos manuscritos, importa iluministas que lhe copiavam manuscritos (o que lhe valeu a acusação de novo-rico) e cria uma das bibliotecas mais fantásticas do tempo e do espaço. Esta corte no ducado de Urbino era uma excepção à regra e era a personificação do seu modo de vida que aliava o Cristianismo ao Classicismo (duas áreas que por vezes estão de costas voltadas, mas que encontraram em Federico o seu lugar de estudo: o studiolo. O studiolo mais não era que um lugar reservado do palácio, surgido no século XV, onde estavam reunidas peças de vários cantos do mundo e obras de arte, apenas acessíveis a pessoas com uma dimensão estética, individual e humanista e que tinham capacidade para estudar o que lhes era mostrado. São o equivalente às kunstkammer e por isso e por aquilo que já vimos, muito elitistas).

Baldessare Castiglioni faz uma descrição muito lúcida sobre Urbino: refere-se à corte de Urbino como uma corte moderada, proporcionada e contida, o que contrasta com o espírito guerreiro de Federico. Este mesmo espírito de luta e de quem veio de uma família de condottieri, contrasta com a forma de ser de Federico que por sua vez espelhava o que era a sua corte. Ele era sóbrio no comer, no trato, no vestir e no agir. A sua única fraqueza, se assim lhe quisermos chamar foi o coleccionismo.

A corte de Urbino tem uma dimensão diferente da de Mântua. Em Urbino trabalham artistas como Rafael e Bramante, mas Urbino esgota-se em Federico: o seu interesse humanista morre para o Estado quando Federico morre. Já em Mântua o humanismo era ensinado numa escola de humanistas integrada na corte e com o apoio dos Gonzaga (família que governava Mântua).

Como vemos, abordamos estes Estados, não pela sua dimensão ou importância histórica, mas por aquilo que possuem; eles valem mais do que aquilo que valem as suas colecções, mas dentro do valor total as colecções perfazem uma grande percentagem. É que apesar de não estarmos a falar de Estados abastados e grandes, com muitas posses e influencias, estamos a falar de grandes colecções.

Carlos V (dos Habsburgo e não de Espanha) foi o homem que compreendeu o potencial das colecções de arte nos pequenos Estados. Enquanto Francisco I dinamizou e alocou a magnificência do seu reino para o Palácio de Fointainebleu, Carlos V percebe que o seu reinado e o seu império devia estar onde ele estivesse. Como viajou durante 10 anos por todos os lugares do Mundo onde tinha possessões (México, Norte de África, Estados Alemães, etc…), durante esses 10 anos levou consigo e para todo o lado a grandeza do conhecimento. Já Francisco I, mesmo em termos físicos personificava a autoridade monárquica que faltava a Carlos V.

Carlos V abdicou do trono quando tinha 55 anos de idade. A sua vida doméstica era, ao contrário da maior parte dos soberanos daquele tempo, calma, carinhosa e talvez por isso, pelo apelo dessa vida, Carlos V larga a corte itinerante e abdica. Não foi um papel fácil aquele que teve de desempenhar: por um lado era um homem calmo, mas por outro carregava nas suas costas o peso de ter sido o primeiro soberano sagrado pelo Papa depois do Saque de Roma. Por um lado tinha problemas físicos que lhe vinham das relações de consanguinidade (queixo protuberante, mancava, era baixo e tinha um pé boto), mas por outro era um aventureiro que nunca quis estagnar. Por um lado tinha raízes alemãs, por outro é flamengo por opção e por orientação e como se isto não bastasse, era um encantado por arte italiana. Por um lado era soberano num contexto adverso a mulheres; por outro toda a sua vida foi passada com mulheres (a tia, a irmã e Isabel de Portugal. Mulheres que eram mecenas e hábeis políticas e de quem ele herda essas características). Por fim, por um lado tentou incorporar sempre com a sua paciência, calma e sem preconceitos a adequação do modelo católico com o humanismo tolerante de Erasmo de Roterdão e com a crítica do mesmo. Mas quando a Inquisição surgiu o século XVI tornou-se atordoador para Carlos V do ponto de vista das guerras católicas. O soberano bem tentou moderar e remendar as lutas (cede encontra-se com Lutero e faz os possíveis para que um Concílio se reúna), mas percebe que a questão ultrapassa a barreira religiosa e passa a estratégia política.

2 Comments:

Blogger João Barbosa said...

diria que nos faltou, a nós portugueses, uns senhores deste calibre na apreciação da arte... sempre pobrezinhos e mesquinhos, só talha dourada e património desaparecido em guerras, incêndios, inundações e terramotos... até aquele que nunca existiu por cá

11/2/09 6:51 da tarde  
Blogger Belogue said...

nós tivemos: d. joão III trouxe francisco de holanda para portugal, andré de resende trabalhou para a corte de D. Duarte (se não me engano), Laprade (o da basílica de mafra) trabalhou cá durante o reinado de d. joão V... mas nós éramos desbravadores de mato. íamos para áfrica a para a índia, colonizamos e tínhamos um reino cujas fronteiras estavam consolidadas. itália estava em permanente guerra interna, privilegiava, pela sua situação geográfica (que lhe permitiu ter em território italiano, ali à disposição algumas das mais fantásticas construções da antiguidade, bem como esculturas e mosaicos), vivia da cultura e da arte, bem como do papado que recebia bens com fartura para garantir o lugarzinho no céu. é claro que não tínhamos o saber fazer nem estar deles, éramos uns alarves perto dos italianos, mas olhe que eles, tal como nós, comiam com as mãos e urinavam nas salas e limpavam a boca à manga da camisa ou à toalha ou a peles de coelhos, penduradas nas paredes para esse efeito. demos mundos ao mundo. e isso também é importante.

12/2/09 11:04 da tarde  

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