quinta-feira, outubro 16, 2008

- o carteiro -

legislativas 2009:
Penso que depois daquele Orçamento de Estado o Governo saberá exactamente o que fazer para conseguir o voto dos portugueses. No entanto, como toda a ajuda é bem vinda (pelo menos é o que dizem), deixo aqui a minha contribuição com fundamentos históricos sobre a forma como decorrem as eleições. Senhor Primeiro-ministro, se me estiver a ler, ponha os olhos no Hogarth que ele já sabia como organizar umas eleições. E como divertir o pessoal. Qual Obama qual quê? Hogarth, yes we can!
Antes de mais há que dizer que Hogarth foi um inglês de visibilidade pois foi quem abriu as portas para a criação da Royal Academy e foi um dos precursores da pintura inglesa. Era um homem patriota que viveu na época em que a Inglaterra se destacava na Europa por ter um sistema de democracia parlamentar único em comparação com as outras monarquias. Tal como outros pintores, não teve uma vida fácil uma vez que o pai 8e o resto da família) esteve preso por não saldar as suas dívidas quando Hogarth tinha apenas dez anos. Talvez por isso o pintor tenha aguçado o seu sentido crítico algo que se vê nas suas obras e que lhe deve ter vindo do gosto pelas peças teatrais satíricas e pela literatura tradicional inglesa. Como conhecia esses meandros, como conhecia o lado B da existência inglesa do seu tempo, pintava não para os críticos nem para o público conhecedor, mas para o cidadão comum. Estas pinturas reproduzidas em gravuras a preto e branco para venda junto dos menos abastados. Na altura em que Hogarth pinta o quadro a Grã Bretanha estava a tornar-se numa das maiores potências mundiais com as suas posses ultramarinas em território americano E Hogarth acreditava que viria a tornar-se numa potência artística, o que em minha opinião nunca aconteceu.
Alguns bons artistas apareceram na América, principalmente durante os anos 80, mas até lá a América foi vivendo de rendimentos; ou seja, beneficiou da presença de artistas europeus exilados dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Mas vamos ao que interessa. Esta pintura faz parte de um conjunto de quatro, não muito conhecidas, intituladas "an Election" e que retratam quatro diferentes fases de uma eleição local. Não são as legislativas, mas pode-se aprender muito em pequena escala. Este foi o último trabalho de Hogarth e tal como os outros, podia ser facilmente representado em palco pois todas as pessoas parecem ter um papel bem definido.
A composição da pintura encadeia-se numa série de incidentes que dão origem a outros incidentes. Vista de perto notamos que cada objecto nos leva a outra situação diferente e na pintura está contada uma enorme história com crítica social q.b. nela podemos ver duas mesas totalmente ocupadas que representam a luta pelo lugar em Oxford durante as eleições de 1754 e que opunha, tal como hoje, (a América deve ter herdado isso da Inglaterra), Whigs (os trabalhistas) do duque de Marlborough e Tories (os conservadores).

William Hogarth
An Election Entertainment
1754
Sir John Soane's Museum, Londres

Do lado direito da pintura, sentado à cabeceira da mesa está o Mayor que parece estar desmaiado. A razão para este achaque deverá ser o elevado número de ostras consumidas (as conchas estão na mesa e o próprio doente ainda segura uma na mão). Não há dúvida que ao homem não estão a dar soro ou a dopá-lo como nos pode fazer acreditar o braço estendido e atado. naquela época era comum sangrarem as pessoas com qualquer doença pois acreditava-se que na saída do sangue "mau" estava a resolução de qualquer doença. Depois resolvia-se tudo com caldos de galinha. Li que era provável que quem estivesse a sangrar o Mayor fosse o barbeiro local, algo que era comum na época, quando os barbeiros eram farmacêuticos e médicos. E algo semelhante a uma navalha de barbeiro na boca deste pode corroborar a opinião, mas tratando-se do Mayor, acredito que possa ser mesmo um médico ou um físico, como lhes chamavam.


Ao lado do Mayor um homem de casaco vermelho escuro vestido, tomba com uma ferida na cabeça. Vê-se ainda o tijolo que o atingiu muito próximo da cabeça, tijolo esse que entrou na sala através da janela como se pode ver junto da mesma janela, já que apesar das tentativas de defesa, outro tijolo voa por cima das cabeças. O livro do homem atingido está aberto na página dos votos seguros e dos que estão em dúvida ("Sure Votes" e "Doubtfull"). Lá fora o povo manifesta-se, como é próprio dos povos, excepto do nosso que nunca se manifesta, nem boicota, nem vota em branco. Só se abstém porque estava a chover, porque estava sol, porque o bebé bolçou, porque me doía um joanete...


Junto da cadeira do homem atingido, no chão, perto do jarro e das nabiças, encontramos um estandarte negro. No estandarte pode ler-se: "Give us our eleven days" ("devolvam-nos os nossos onze dias") que faz alusão a um acontecimento bizarro na história da Inglaterra. Em 1752, dois anos antes desta pintura, a Inglaterra assumiu como calendário, o calendário gregoriano. Assim, e de um momento para o outro, ao dia 3 de Setembro, quarta-feira sucedeu o dia 14 de Setembro, uma quinta-feira. Com o Imperador Júlio César o calendário Romano de 10 meses foi alterado para um calendário de doze meses. Diz-se que Júlio César queria um dia dedicado a si, e um mês também. Então terá "roubado" um dia a Fevereiro para Julho. Em seguida o calendário foi alterado pelo Imperador Augusto, que fez o mesmo com o mês de Agosto, retirando um dia a Fevereiro e dedicando a si próprio o mês de Agosto. Por isso é que Fevereiro tem 28 ou 29 dias consoante o ano. Depois veio o Papa Gregório XIII que corrigiu o calendário retirando-lhe os tais onze dias tudo para que de tantos em tantos anos o ano não atrasasse três dias. O povo inglês reclamou quando soube que lhe estavam a retirar onze dias no calendário pois de repente, o seu calendário avançou 11 dias, mas o seu salário não contou com esse avanço. Para o patrão eles trabalharam apenas 19 dias.


Avançando mais para a esquerda, na zona inferior do quadro vemos um rapaz de casaca vermelha vestida que verte a bebida que vai convencer os eleitores de um barril para um grande recipiente. Ao colocar um rapaz a fazer este serviço, Hogarth fala também das manhas infantis que eram utilizadas para persuadir o eleitor a votar neste ou naquele candidato, uma medida que, de resto, Valentim Loureiro usa desde tempos imemoriais e de que António Costa se socorreu para festejar a vitória na Câmara de Lisboa, pois toda a gente sabe que só embriagadas as pessoas iriam para dentro de um autocarro fazer absolutamente nada e sem ideia do seu destino.


Já do lado esquerdo da pintura, à cabeceira da mesa rectangular vemos dois dos candidatos dos Whigs que patrocinam a festa. Não é fácil distinguir conservadores de trabalhistas, os Whigs dos Tories neste cenário, assim como não é fácil distinguir esquerda de direita em Portugal. A esquerda está cada vez mais à direita e a direita não está. Os trabalhistas têm, para estas eleições dois candidatos: um deles, o mais novo de casaca azul está a ser seduzido por uma senhora de alguma idade e com pouca sorte no que à beleza diz respeito. O rapaz entrega-se aos prazeres proporcionados por uma mulher mais velha, sem reparar que a filha desta já lhe roubou o anel e que o marido da senhora está atrás dele a tentar atear fogo à cabeleira do candidato. Isto era gente que se divertia. Hoje o povo já não participa! O outro candidato, um pouco mais velho e provavelmente mais sensato, não consegue resistir ao incómodo causado por dois eleitores embriagados que o detêm. Atrás dos dois agita-se uma bandeira onde se lê "Liberdade e Lealdade". É o que acontece quando se visita as feiras, os mercados e os bairros de lata. As pessoas ou ignoram os candidatos, ou os lambuzam de beijos para as câmaras ou então roubam-lhe alguma coisa. Se não roubam, deviam roubar.


Destaca-se, depois destas personagens, o retrato rasgado do rei em exercício, Jorge III, na parede de fundo, o total desalinho da reunião com um bêbado quase a verter o copo em cima do chapéu de uma senhora, os músicos a tocarem em cima de cadeiras ou bancos, a abundância de comida frente ao clérigo gordo cuja peruca já caiu, a intimidade entre músicos e políticos que com o álcool acabam por distribuir bebida e comida a estes, a distracção da mesa perante a agonia do homem que está a ser sangrado, a brincadeira com as mãos que um dos convivas faz e lá atrás, como sempre o povo a manifestar-se. Uma mulher tenta afastar a multidão atirando uma panela de água pela janela, mas lá fora os Tories reclamam: "Não queremos judeus". Os conservadores ingleses opunham-se a uma lei que os Whig queriam legislar (apesar dos Tories terem obtido a maioria dos votos) e que pretendia que os judeus estrangeiros que fossem viver para Inglaterra, tivessem os mesmos direitos que os judeus já lá nascidos.




E por fim, atrás do Mayor vemos um conjunto de chapéus ornamentados por rosetas cor-de-laranja. Estas personagens representam a Ordem de Orange favoráveis aos Whigs e à sucessão por parte do protestante Guilherme de Orange, enquanto os Tories, conservadores, desejavam o regresso ao poder dos Stuarts que estavam exilados em França.