- o carteiro -
I'm sorry, so sorry...
Bem sabemos que são muitas as possibilidades representativas de uma Lamentação. Aliás, as formas de a retratar são tantas que duvido existir uma forma certa. Até as denominações variam: umas vezes é a Lamentação sobre o corpo de Cristo, outras “The Entombement” e às vezes é mesmo uma Descida da Cruz. E tal como nas Madalenas (não são Madalenas de comer!), há várias representações, mas achei que tinha piada (que era interessante) ver a evolução, ou possível evolução de um baixo-relevo grego existente no Museu Capitolino até um Georges de la Tour. O primeiro exemplo é, como disse este baixo-relevo da morte de um herói – não sei se mitológico ou histórico -, mas que inicia este tendência para retratar o morto como algo que se leva pelas pernas e braços ou que se vela num colo de mãe. Chamaram a este relevo a pietá militar, uma vez que as pietás se aproximaram muito dele na forma.
A passagem deste relevo para um outro de Giovanni Bellini é muito clara, embora neste caso o moribundo não esteja acompanhado pelos seus colegas de luta, mas por pequenas crianças que devem representar anjos. É, muito provavelmente o baixo-relevo de um Cristo morto e não de uma lamentação, mas já faz a transição entre o que tínhamos anteriormente e aquilo que vamos encontrar.
Nesta escultura de Donatello (não gosto nada de Donatello, mas lá teve que ser), já temos uma lamentação declarada, com a presença da Virgem e de um conjunto de personagens que não sendo propriamente anjos, até apresentam alguma coerência formal com o baixo-relevo anterior. Trata-se de Maria Madalena lá atrás e de alguns apóstolos, mas não anula a semelhança com os anjos referidos.
Donatello
Lamentation over the Dead Christ
c.1456
Victoria and Albert Museum, Londres
Da escultura de Donatello à pintura de Charonton não parece ter havido evolução devido ao carácter extremamente gótico da pintura em oposição ao aspecto muito renascentista da escultura, mas esta pintura tem algumas particularidades que a tornam numa das melhores Pietás de sempre. As figuras foram colocados sobre um fundo dourado entre uma cidade à direita e uma montanha austera à esquerda. No entanto é a imagem da Virgem em sofrimento que domina a pintura. Não é uma Virgem jovem como veremos mais tarde em muitas pinturas do Renascimento pleno e contra a representação das quais o Concílio de Trento lutou. É antes uma mãe pálida e imóvel, com o manto azul a cobrir-lhe a cabeça, mas que se abre até ao chão. Embora não seja uma pintura Maneirista, há uma estranha deformação no corpo de Cristo que se apresenta arqueado, numa tentativa de equilíbrio no colo da sua mãe. São João encontra-se um pouco mais acima da figura de Cristo e do lado direito a Madalena piedosa completa a diagonal formada por as pernas de Cristo que coincidem com as vestes de Madalena, o corpo de Cristo, as mãos prostradas da sua mãe e a cabeça da Virgem. Há outra diagonal formada pelo braço que cai do colo da Virgem, passa pela cabeça de Cristo e acaba na cabeça de São João. Além disso há uma outra linha, uma linha curva que acompanha a curva produzida pelo corpo de Cristo e que é feita pelas cabeças das personagens vivas: o mecenas do quadro à esquerda, São João, a cabeça da Virgem e a cabeça de Maria Madalena. O quadro é assombrosamente bom. É mesmo muito bom porque é dinâmico quando toda a pintura da época ainda tinha um cunho fortemente medieval.
Pietà de Villeneuve-lès-Avignon
c. 1460
Musée du Louvre, Paris
Musée du Louvre, Paris
Agora imaginemos que o mesmo grupo de pessoas tenta sentar o corpo de Cristo. O resultado pode ser esta gravura de Parmesan, muito semelhante a um desenho de van Aachen que não estava em boas condições. E esta nova forma de retratar Cristo, entre a saída da cruz, a lamentação e o seu “funeral”, acabou por criar uma tendência: Delacroix e Van Gogh (num “after Delacroix”) pintaram-no assim. Esta gravura poderá ter originado o quadro de Jacques Belange que se escuda no tenebrismo muito caravagista.
Diga-se em abono da verdade que o quadro é terrível: tudo é plástico, encenado, e expressivamente errado. Note-se no rosto da Virgem que parece dizer “já te foste, foi melhor assim”; no rosto um pouco atrás à direita, como se se tratasse de uma figura de cera. Ninguém tem identificação, não se percebe quem são e o que ali fazem. Não me levem a mal se disser que estão no quadro errado (ou no funeral errado) ou até que alguns andaram metidos “nos fuminhos” e ficaram “high”. Diz-se porém que o quadro não foi beber a Caravaggio, mas antes a Georges de la Tour, como se este último não tivesse ido beber a Caravaggio.
Jacques Bellange
The Lamentation
1615-1617
State Hermitage Museum, Saint Petersburg
No quadro de de la Tour não vemos Cristo morto, mas antes São Sebastião (atingido por uma seta apenas) e velado por Santa Irene. Mantém-se o corpo em curva, entre o sentado e o deitado, a vela do exemplo anterior (embora aqui do outro lado e empunhada por outra personagem) e toda a obscuridade tão própria do Barroco.
Não lamento este post, só lamento que tenha sido sobre um tema tão sorumbático e que eu não tenha tido a capacidade para rematar isto como devia ser. Chuto para canto.
Não lamento este post, só lamento que tenha sido sobre um tema tão sorumbático e que eu não tenha tido a capacidade para rematar isto como devia ser. Chuto para canto.
Georges de la Tour
St Sebastien Attended by St Irene
1634-43
Staatliche Museen, Berlim
5 Comments:
mais uma corrida, mais uma viagem... mais um dia, mais uma bela posta.
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imparável, esta Beluga
(directamente do canto)
moloko?
caro joão barbosa:
bons olhos o leiam! obrigada. Vamos fazendo como nos mandar o Senhor!
Caro AM:
Não, não era moloko. enganou-se no cromo da sua caderneta. Era Brenda Lee. Tem moloko para troca?
tem
no "I am not a doctor" há uma música... "sorry" (I'm sorry, so sorry...)
pensei em dedicar-lhe "um" moloko, mas... cortei-me
vai agora, que é uma altura tão boa como qualquer outra...
Caro AM:
depois de ler isto, estive um bom bocado a ouvir Moloko. E não é que isto aumenta-me os níveis de serotonina (quero crer que sim)? Obrigada pela indicação/dedicação.
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