segunda-feira, agosto 25, 2008

- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes e depois ou quase um “carteiro”. Não foi a primeira vez que Seurat fez isto, que antes do grande quadro se tivesse desdobrado em estudos preparatórios que sozinhos também são quadros. Já nos “Banhistas em Asnières” tinha feito o mesmo, mas na Grande Jatte o que impressiona (ou o que “pontilha”… era uma piada) é a quietude. Descobrir isto, foi um grande alívio. A Grande Jatte era uma ilha, assim chamada porque tinha a forma de tigela (jatte), mas que hoje já não existe. Era, naqueles tempos, o destino domingueiro da Paris burguesa, com os seus cafés, as suas sombras, a água, os passeios de barco, etc. Se quiséssemos descrever o que vemos no quadro “depois”, seria simples: uma senhora com uma sombrinha e um macaco pela trela, um cão junto do macaco, um outro cão, preto, a farejar, um homem de barba deitado na relva, uma senhora ao seu lado que parece coser, um senhor mais à frente de chapéu alto, uma senhora que pesca, uma rapariga que arranja um ramo de flores, uma senhora com uma criança pela mão, uma menina que salta à corda, um homem que toca um instrumento musical de sopro, em pé, pessoas isoladas que olham a água e muito mais. Cada uma das pessoas que está retratada no quadro está a fazer algo, mesmo que seja olhar para a água ou para o infinito, mas nenhuma delas fala, comunica mesmo que apenas através da linguagem corporal com o outro. Aquilo que nos parece serem casais não se tocam e mesmo as pessoas que estão próximas umas das outras no espaço, não têm nenhuma interacção. Cada um existe por si só. Se Seurat tivesse tirado uma meia dúzia de personagens do quadro, ninguém daria por isso e a composição não teria um ar incompleto. Há além do mais, um grande civismo, um civismo asséptico já que para um Domingo à tarde era de esperar ver lancheiras e cestos de piquenique e mais objectos, objectos ligados ao entretenimento. Mas todas as personagens têm o seu significado. Primeiro de tudo temos de reconhecer que Seurat pintou bem esta classe média-alta parisiense, uma vez que ao retratá-la retirou-lhe tratos identificativos; generalizou em vez de particularizar. Veja-se o exemplo da senhora que pesca. Ela está sozinha e para os franceses, este capricho feminino e moderno que ironizava o acto de pescar profissionalmente, era visto como fútil. A senhora que segura o macaco pela trela, provavelmente bem casada com o senhor a seu lado, representa a mulher que graças ao casamento se salva de uma vida a servir em casas ou a servir… casados. Ela é a demi-mondaine, a nova-rica que mostra ao Domingo à tarde o seu macaquinho como hoje aos Domingos à tarde há quem goste de mostrar a tigresse ao pescoço. (ou aquelas pessoas que gostam de se passear com camaleões, por exemplo). O homem de barba, de camisola sem mangas e a fumar cachimbo contrasta com o outro que está um pouco mais ao lado, de chapéu e bengala. A rapariga que arranja flores faz o contraponto com a senhora de chapéu que traz pela trela o macaco, uma vez que tem o aspecto de criada. O único movimento é conferido pela menina que salta e que contrasta com aquela que a mãe leva pela mão, e o cão que corre. Tudo o resto é quietude. Quando o quadro foi mostrado pela primeira vez o público detestou pois a pintura ridicularizava a sociedade parisiense, mas Seraut, de apenas 25 anos estava a sete de morrer e tinha de provar a sua teoria pontilhista: que a pintura por pontos permitia obter cores mais vivas que a pintura por pincelada cheia e que cabia ao olho humano preencher os espaços vazios.

Fico sempre a pensar que o proprietário do primeiro quadro olha para ele e diz “humm… falta aqui qualquer coisa…”, mas caberá ao olho dele imaginar o resto:"

Georges Seurat
A Sunday Afternoon on the Island of La Grande Jatte
1884
Colecção Privada


Georges Seurat
A Sunday Afternoon on the Island of La Grande Jatte
1884-86
Art Institute of Chicago

2 Comments:

Blogger AM said...

mt obg, beluga
não conhecia o "despido"
(o outro acho um bocado "enjoativo"... parecem gomas espalhadas pela relva... e a "técnica" tb não me diz nada)

25/8/08 1:21 da tarde  
Blogger Belogue said...

Eu também não conhecia o "quadro sem nada", mas o Seurat fez várias versões do quadro, chegando mesmo a pintar a paisagem inteira e apenas uma das personagens (fez muitos estudos da senhora com o macaco e daquela que pesca). Acho que a intenção de as pessoas não comunicarem é boa. Quanto à técnica... o que seria o Van Gogh sem a técnica, por exemplo? (a pincelada frenética, nervosa, curta e histérica é que dava piada aos quadros)

27/8/08 3:14 da manhã  

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