segunda-feira, agosto 25, 2008

- o carteiro -

Não gosto do trabalho da Joana Vasconcelos. Já em discussões com amigos, que também torciam o nariz sem explicarem bem porquê, disse que não gostava o trabalho da artista. Terei de lhe chamar assim apesar de não gostar do que faz. Que o trabalho não era mau, que não era preciso exagerar, que ela até tinha mérito… Ora eu não concordo. O trabalho não é mau, assim como não é bom. E não é mau por ter na sua base uma explicação muito consistente, mas isso não faz com que seja bom. Não é mau por ser compreensível, mas isso não faz com que seja bom. Não é mau por criar empatia com as pessoas, por envolver comunidades, mas isso também não quer dizer que seja bom. Chamo-lhe pleonasmo artístico. Não é mais do que outros artistas já fizeram até com mais pertinência por terem que quebrar tabus que a artista em causa não teve. Lembremo-nos de Barbara Kruger que associa imagens com frases ou palavras de ordem. O pleonasmo artístico estabelece a ligação entre uma imagem e uma ideia, quer através da sua negação, quer através da sua enfatização, usando para isso a palavra ou o objecto. E podemos ter diferentes combinações disto. No caso de Kruger faz-se uso da palavra e da imagem. No caso de Guillermo Vargas fez-se uso do objecto, da palavra e da imagem e no caso de Lawrence Weiner fez-se uso do objecto e da palavra.

Há muitos anos, numa exposição sobre design sustentável no CRAT, vi exactamente aquilo que Joana Vasconcelos mais tarde se dispôs a fazer. Tratava-se de um grande saco de compras tricotado com sacos de plástico que provavelmente foram retalhados em tiras e depois unidos (não sei, imagino) de forma a criar um fio que pudesse ser tricotado. Tratava-se de aproveitar o já aproveitável. O que valia era a ideia, mas isso não faria da peça uma peça comercializável. Porque se o fizesse seria a negação do design sustentável e porque, não fazendo, o que seria mais lógico, só dava razão aos que defendem que os designers por vezes ligam os complicadores. Quem quer poupar na produção de plástico, leva sacos de compras já usados quando vai ao supermercado. E não se enganem com as teorias de alguns deles. Exemplos como o LIDL e o Minipreço são pura hipocrisia uma vez que o cliente paga o saco e com ele paga a publicidade ao próprio estabelecimento. O Pingo Doce toma a dianteira pois o saco é pago mas não há publicidade ao estabelecimento. Tudo isto para dizer que até eu ( e esta expressão já me custou muitas linhas apagadas), consigo enumerar um conjunto de obras com a assinatura Joana Vasconcelos, o que só vem provar que o pensamento acerca disso não faz uma boa obra, a execução também não, nem a junção dos dois. É necessário fazer algo que ninguém seja capaz de imaginar ou materializar. E até as deixo aqui, para quem interessar:
- a cortina de um confessionário feita com relatos de confissões de assassinos e violadores, enrolados como canudos pequeninos e enfileirados em fio transparente.
- um retrato gigantesco de Cristo Pantocrator feito com retratos pequeninos de jogadores de futebol.
- cobrir o Largo do Rato com um enorme casaco de pelo de gato
- construir grandes telhados de vidro sobre as Sés do país
- fazer uma sessão fotográfica com gestores bancários e de empresas de topo a apanhar maçãs do chão de um pomar.
- Escrever “Orgulho Hetero” em calçada Portuguesa de sete cores na entrada de uma ETAR.
(e quem não perceber, é só dizer. não sou artista, não quero apenas colocar "o público a pensar")

7 Comments:

Blogger AM said...

post notável, beluga, muitos parabéns
tudo o que eu também gostava de ter escrito sobre a artista, se soubesse como e se tivesse o seu talento
leu a "beatificação" da JV como uma artista rebelde e anti-sistema num destes ípsilon's?
achei uma coisa completamente pateta e patética

25/8/08 1:14 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Parabéns!
Não podia ter dito melhor.

25/8/08 2:04 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

absolutely fabulous !!!!!!

25/8/08 2:12 da tarde  
Blogger AM said...

é o "síndrome" kara walker
escrevi sobre isso em http://odesproposito.blogspot.com/2006/07/um-quadro-da-afro-americana-kara.html
irrita-me esta coisa da arte (pintura, literatura, etc.) por géneros, por "sexo", por "raça"

25/8/08 11:36 da tarde  
Blogger Belogue said...

Caro AM:
obrigada, mas eu sou peixe miúdo, isto é opinião que não vai a lado nenhum. Não podia era deixar passar em claro o facto de ter uma opinião acerca do trabalho da Joana Vasconcelos e esta ser tão diferente das outras. beatificaram-na e endeusaram-na porque ela também se colocou a jeito. Se ela fosse realmente anti-sistema não tinha permitido isso. Taulogicamente o trabalho é bom, mas cai no cliché da monumentalidade. (e em todos os outros já referidos). Olhe, disse aquilo que acho, não retiro nem uma vírgula. Não suporto ter de concordar com um crítico de arte ou seja com quem for que acha que a sua opinião é lei porque se pode refugiar num nome num jornal ou numa revista. As pessoas aceitam o que lhes é dado e nem questionam: "gosto mesmo disto? isto é mesmo bom como dizem?".
Quanto à reportagem, não li. Não sabe por acaso se foi há muito tempo. Podia ser que ainda conseguisse arranjar.

Cara Maria:
Quer dizer, podia ter dito melhor. Esqueci-me da parte da monumentalidade, mas na altura, foi o que saiu. Obrigada

Caro Anónimo:
Oh... Thank you! I'm blushing!

Caro AM:
Acho que há casos em que se justifica. Por exemplo, o caso da Emily Jacir e da "Sexy Semite" convém saber que ela é palestiniana!

27/8/08 3:28 da manhã  
Blogger AM said...

deve ser do dia 1 ou 8 de agosto já foi para a reciclagem...

27/8/08 3:52 da tarde  
Blogger Belogue said...

obrigada. vamos ver se ainda anda por lá

28/8/08 3:40 da manhã  

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