sexta-feira, agosto 22, 2008

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou "como é difícil uma pessoa não se esgotar. essa coisa do "génio" nunca me soou bem. acredito antes no trabalho, no gosto por aquilo que se faz e por alguma inspiração (que geralmente me chega no banho). Não sei quantos eram os banhos anuais do Botticelli (sabe-se que as pessoas acreditavam que quanto mais lavassem e expusessem a pele ao ar, principalmente em períodos de peste, mais possibilidades tinham de contrair doenças. os banhos, nas classes altas eram raras e nas classes baixas, talvez dois: um quando se nascia e outro quando se morria), mas é natural que o pintor por vezes se sentisse com falta de inspiração. Ou como homem pio e perseverante, temesse a fuga aos seus modelos e aos modelos tradicionais do Renascimento. Por isso e mais uma vez, na sua obra podemos encontrar a repetição da Vénus, tal e qual na mesma posição em que Botticelli retratou o seu nascimento. É natural: o modelo está muito bem conseguido e representa na perfeição os cânones de beleza do século XVI. Não sabia é que Botticelli o tinha utilizado tantas vezes. Neste post deixo-vos pois com as semelhanças formais (e não de contexto, obviamente), existente entre a Vénus de "O nascimento de Vénus" e a Verdade no quadro "A calúnia de Apeles". O quadro que apresentamos na totalidade ali em baixo, é inspirado num quadro de Apelles cuja descrição chegou até nós pelo poeta Luciano nos seus Diálogos e foi o último quadro de carácter profano de Botticelli. O original de Apeles é sobre o próprio Apeles. Conta a história de Antifilo, um artista rival de Apeles que o culpou perante Ptolomeu, rei do Egipto, de ter participado como cúmplice numa conspiração. Apeles provou ser inocente e vingou-se de certa forma de Antifilo através deste quadro. Visto que por parte de Botticelli o tema foi uma escolha e não uma encomenda, fica no ar a possibilidade de o pintor italiano ter sido alvo de algum tipo de calúnia ou boato que o tenha levado a pintar este quadro como forma de mostrar a sua indignação e protesto. O quadro mostra, da direita para a esquerda, o rei no seu trono ladeado pela Ignorância e pela Suspeita. Frente ao rei está a Inveja e um jovem, supostamente Apeles, é arrastado pela Calúnia, a Traição e o Engano. Do lado esquerdo do quadro vemos duas personagens: o Remorso, personificado pela mulher idosa que vira a sua face e olha em direcção à figura nua que é a Verdade. A Verdade, como é óbvio, está nua pois é assim que se quer a verdade e a sua personagem aponta para o céu num gesto muito religioso que se liga de imediato às mãos em prece que o jovem que está a ser arrastado apresenta. Se repararmos, Verdade e Vénus são muito semelhantes no cabelo, na forma como se tapam, na maneira como o pintor fez um pé aguentar com todo o peso de um corpo em desequilíbrio, mas é só. Porque no que ao rosto diz respeito, digamos que a Verdade fica muito a dever à Beleza.
Sandro Botticelli
The Birth of Venus (pormenor)
c. 1485
Galleria degli Uffizi, Florença



Sandro Botticelli
Calumny of Apelles (pormenor)
1494-95
Galleria degli Uffizi, Florença


Sandro Botticelli
Calumny of Apelles
1494-95
Galleria degli Uffizi, Florença

5 Comments:

Blogger AM said...

quanto eu era pequenito havia uma coisa que eram uns "decalques" autocolantes...

22/8/08 3:27 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

essa fobia aos banhos: referes-te ao ao Renascimento, certo?

22/8/08 8:20 da tarde  
Blogger Belogue said...

Caro AM:
naquela altura eles não faziam outra coisa. era natural que um dia esgotassem recursos.

Cara Ana:
sim, mas antes do Renascimento mais ainda. E depois do Renascimento também. Acho que só a Revolução Francesa e o racionalismo "esfriaram" os ânimos. quer dizer... permitiu que o pessoal fosse a banhos com mais frequência.

25/8/08 3:27 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

hum. na Idade Média tomava-se banho. Quer dizer, nas cidades, havia banhos públicos. Que não eram baratos, e por isso inacessíveis à generalidade da população, mas existiam. E além da água propriamente dita, ainda ofereciam, a certa altura, serviço de alimentação e de acompanhantes. Alguns banhos disporiam até de quartos em pisos superiores... Contudo há quem diga que a crescente influência da Igreja e os tempos moralistas que se começaram a fazer sentir acabaram com este hábito que já vinha dos Romanos. Pudera, todos ao molhos dentro das tinas... E mistos, ainda por cima1 Enfim, minudências, apenas uma ocasião para falar :) Continua a postar pois gosto de ler sobre os assuntos que não conheço.

25/8/08 5:49 da tarde  
Blogger Belogue said...

ana, não vamos mais longe: na Ribeira, entre o cubo e a Alfândega, há uns banhos públicos. Não sei se ainda funcionam como banhos públicos ou são só tanques comunitários, mas estão lá. ou então, vamos recuar muito mais e lembrar as termas romanas com o caldarium, o frigidarium e o tepidarium onde os grandes homens da cidade faziam negócios e estabeleciam contactos ( e talvez algo mais...)

27/8/08 3:32 da manhã  

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