quarta-feira, julho 23, 2008

- o carteiro -

Os posts de fim-de-semana intitulados “back to black” onde são mostradas tautologias do manifesto futurista, podem não ter qualquer reflexão adjacente, mas o manifesto em si as acções dos seus quejandos, não passam sem ponderação. No fundo, as acções artísticas que vemos hoje, sem a mesma força de outrora e sem a razão da novidade, são um reflexo das máximas futuristas que por sua vez “falavam de cátedra”.

Russolo, Carrá, Marinetti, Boccioni

O Futurismo manifestou-se contra um certo academismo vigente e que não teria acontecido caso as promessas de não reincidir nesse academismo tivessem sido mantidas desde os movimentos de início de século. No entanto, demasiado fugazes, os futuristas deixaram apenas como herança o seu manifesto onde fazem a apologia da máquina e da guerra por oposição frontal e com o intuito de chocar, bem como um slogan que traduzia a sua vontade na mudança: “Queimem os Museus”. Depois da grande proliferação de museus e livrarias, em parte devido ao crescente valor que a arte adquiria, bem como a necessidade de perpetuar o passado face à ameaça da guerra e destruição que se seguiu, os futuristas queriam colocar a arte a par das inovações tecnológicas que entretanto que se iam sucedendo. Eles foram os primeiros a notar que a arte se remetia a esses locais de segurança e não estava predisposta à mudança, à exploração, ao conhecimento daquilo que de mais inovador ia acontecendo. Parecia que as descobertas tecnológicas tinham tocado a vida de todos excepto dos artistas, dos museus e das galerias. O Manifesto Futurista escrito e publicado pela primeira vez antes da Primeira Guerra Mundial, é uma suma de um conjunto de regras em forma de tabula rasa, que deveriam orientar artistas, galerias, teóricos, museus e público, obviamente, no sentido de aproveitar o advento do uso intensivo das indústrias pesadas (como a indústria de guerra) e das comunicações cada vez mais céleres.
E foi assim que tudo começou e que a arte ligada aos media teve o seu input. Antes desta publicação, já Marinetti privava com personalidades do círculo em torno do suplemento literário La Plume, tais como Léon Deschamps e Alfred Jerry (este mostrou-lhe o “verso livre” e quando Marinetti dexiou Paris por Itália, Jerry levou a cena a sua peça “O Rei Ubu”). Marinetti mostrava-se favorável a que a arte e os media desenvolvessem uma relação próxima com o único objectivo de humanizar as pessoas (parece uma contradição tendo em conta o computo geral dos axiomas). E que melhor meio de comunicação social do que a televisão para fazer essa tal humanização do indivíduo? Mesmo em relação a um electrodoméstico Marinetti conseguiu dizer algo que pode hoje ser tomado como uma antevisão do futuro e por isso, bastante futurista: “Nós temos agora à nossa disposição, uma televisão com mais de 50 000 pontos por cada imagem grande num ecrã grande. Na expectativa da invenção da tele-toque, tele-cheiro e tele-gosto, os futuristas estão a aperfeiçoar a radiofonia, a qual irá multiplicar por centenas o génio criativo da raça italiana e porá um fim ao tormento da distância e estabelecerá as palavras libertadoras como o seu modo lógico e natural de expressão”. Melhor a primeira parte do que a segunda que não deixa de ser “chauvinista italiana”. Não obstante todo o texto acima escrito, a acção dos artistas futuristas parece-nos ter estado em desacordo com a esperança e vontade escrita depositada na mudança. Os artistas futuristas, parecem ter caído, pelo menos à primeira vista, no erro dos seus antecessores.
Embora se desconheça, a maior parte dos artistas futuristas foram também preformers. Não só as suas obras eram tradução directa dos axiomas do manifesto, como foi exposta sob o guarda-chuva futurista e tanto Carlo Carrá, como Boccioni, Giacomo Balla ou Russolo exigiam aos visitantes que tirassem notas daquilo que os artistas iam dizendo das obras em exposição. E como bons performers, os futuristas não faziam distinção entre as diferentes artes que podiam incorporar nas suas mostras: todos eles eram pintores, poetas ou actores. Tanto, que os artistas referidos iam para os teatros e para todos os locais de produção artística, mostrar as suas ideias, interrompendo peças e exposições. Nessas ocasiões os futuristas eram bombardeados com fruta, batatas e ovos, mas Carrá não desarmou e numa dessas ocasiões atiçou mais o público dizendo “atirem-nos ideias em vez de batatas, idiotas!”.
De algo os futuristas não podem ser culpados: de não se aventurarem nem colocarem em prática os seus propósitos teóricos. Mas será que fazer o espectáculo é fazer a festa?