terça-feira, janeiro 22, 2008

- o carteiro -
o que se vai usar este ano:
A tendência para este ano no que diz respeito a exposições é… nenhuma. Não há tendência definida. Os museus mundiais dividem-se entre as apostas ganhas à partida (Impressionistas, Picasso, Warhol), entre as coqueluches (o Oriente, a arte do Oriente) e outras apostas que não sendo garantia de sucesso logo de início podem atrair bastante público (Freud, Soutine, Matisse). Destaca-se no entanto uma tendência estranha, de tentar fazer omeletas quase sem partir ovos; ou seja, com grandes recursos mas pequenas pertinências, dá-se a conhecer ao público os trabalhos de grandes artistas do Renascimento ao Maneirismo, nomes sonantes que asseguram o sucesso da iniciativa, mas que por si só não são sinónimo de exposições com qualidade.

Na Áustria, por exemplo, o Kunsthalle Wien apresenta até 3 de Fevereiro a exposição "True Romance: Allegorien der Liebe von der Renaissance bis Heute" que pretende documentar a interpretação de um sentimento como o Amor nas artes, principalmente na pintura desde o Renascimento, quando o Amor era mostrado através de cenas mitológicas, até aos dias de hoje. Parece ser um bom tema, mas até aos dias de hoje é demasiada monta.

Em Bruxelas a Koekelberg Basílica tem em exibição até 15 de Março a exposição "Leonardo da Vinci: The European Genius." O nome “Da Vinci” garante sucesso mas já cansa principalmente depois dos códigos todos. E a mostra parece não inovar, pois dá a conhecer Leonardo como o paradigma do homem do Renascimento: artista, engenheiro, inventor e humanista; ou seja, nada que não tenha sido visto anteriormente. Também em Bruxelas, mas desta vez nos Musées Royaux des Beaux-Arts é apresentada até 27 de Janeiro a mostra "Rubens: L'Atelier du Génie." Com trabalhos do pintor vindos do Louvre, do Prado e do Met. O período sobre o qual se debruça a exposição é o mais profícuo do artista e eu não me faria rogada para ver a exposição, mas nem todos os quadros expostos são só de Rubens. Alguns foram concebidos em colaboração com Brueghel e com Cornelius de Vos. E se pelo meio não estiver uma série de trabalhos atribuídos aos seus discípulos, é uma sorte!

Passamos a Londres, à National Gallery www.nationalgallery.org.uk que até 13 de Janeiro (oops, já foi!), apresenta a exposição "Renaissance Siena: Art for a City." Ora nesta eu sou suspeita porque gosto de Siena. Gosto muito de Siena, mas depois de ler a opinião do crítico do The Guardian, pensei duas vezes: “poderá esta exposição de facto motivar alguém que não tenha tido uma religião católica, alguém que não tenha sido criado nos valores do Ocidente?” A resposta é sim, que a arte tem esse poder de nos fazer ver as outras culturas e os outros valores na mesma base em que vemos os nossos apesar de partirmos para a leitura da “nossa” arte com um conhecimento muito maior, conhecimento esse que acaba por motivar conhecimento. No entanto a exposição parece pecar por algo: mostra artistas bastante conhecidos do Renascimento italiano como Duccio, Francesco di Giorgio e Domenico Beccafumi ao lado de outros menos conhecidos. Nada contra, atenção! Somos pelos mais pequeninos, mas uma exposição não pode esperar atrair visitantes quando tem obras de grande valor ao lado de outras mais fracas, sabendo-se de antemão que as obras estáticas, que não narram episódios não têm o mesmo poder do que aquelas que o fazem. Digamos que é difícil descobrir o divino em determinadas pinturas religiosas como aquelas em que o Menino anafado, já com idade para andar na escola, mama do peito redondo e firme da Madonna que nem parece ter acabado de dar à luz. É só um exemplo.

Também em Londres, na Queen’s Gallery no Palácio de Buckingham e até 20 de Janeiro podemos ver "The Art of Italy in the Royal Collection.", uma exposição constituída por 175 pinturas do Renascimento e do Barroco Italianos. Vale a pena, porque não é uma exposição que procure glorificar o poder real, mas não há de facto um fio condutor, uma pertinência. Os temas são: “Florence and Rome, XVI century”, “The courts of northern Italy, XVI century”, “Venice and the Veneto, XVI century”, “The seventeenth century”, “Furniture and Bronzes” e “Books” e deixem-me dizer que parecem desgarrados como se o responsável pela exposição não tivesse lido as primeiras páginas do livro “Como de faz uma tese” de Umberto Eco. Quando o seu tema é demasiado abrangente pare e pense: ou muda o tema, ou especializa-se no “piolho da pulga”.

Em Paris no Musée Jacquemart-André e até 13 de Janeiro (oops outra vez!) temos "Fragonard, les Plaisirs d'un Siècle." Onde é possível ver obras bastante diferentes de Fragonard. E é isso que não se compreende: se o tema da exposição é “Fragonard, os prazeres do século”, porque razão algumas das pinturas estão subjacentes a temáticas que são tudo menos prazenteiras?

A exposição "Arcimboldo, 1526-1593." Que esteve patente no Musée du Luxemborg até 13 de Janeiro é (juntamente com a exposição de Cranach que se segue) talvez a mais coerente de todas as que já falamos aqui e vamos falar, uma vez que o título não engana: a exibição mostra um pintor muito conhecido mas do qual ninguém sabe nada, e limita essa exposição não no tempo, mas colocando como fronteiras o conhecimento que temos dele. Como esse conhecimento é muito escasso, a exposição mostra-nos os pequenos aspectos: as pinturas mais conhecidas, os tempos em que trabalhou como pintor da corte de Viena e Praga, o seu talento para os retratos (embora os que estão na exposição lhe sejam apenas “atribuídos”) e para a organização de festas imperiais.

Na Dinamarca, no Stadel Museum e até 17 de Fevereiro é possível ver a exposição "Cranach der Ältere" que coloca em evidência a obra de Cranach. Mais uma vez e como no caso anterior, optou-se por concentrar a exposição num pintor só. Obviamente Cranach é muito conhecido, mas a escolha das obras não parece ser controversa, uma vez que mostra como Cranach se posicionou artisticamente perante os seus clientes apoiantes da Reforma Protestante e os clientes católicos.
Até 24 de Fevereiro a Alte Pinakothek em Munique apresenta "Parmigianino: The Madonna." Parmigianino pintou várias Madonnas, em vários formatos, desde pinturas devocionais a pinturas de altar. Mais uma boa escolha para uma exposição, embora não seja garantido que também nesta devoção se encontre o divino, se sinta alguma empatia com as Madonnas.

Em Itália, no Museo Capodimonte a tarefa não podia ser mais megalómana. A exposição "Omaggio a Capodimonte: Da Caravaggio a Picasso" que está patente até 20 de Janeiro pretende ser uma forma de celebrar o 50º aniversário do museu. No entanto, percorrer quase 400 anos de arte numa só exposição sem nenhum outro critério de selecção visível (há quem lhe chame mesmo “selecção eclética”), não faz nada pelas pinturas em si, nem pelos artistas, nem pela pintura e pouco fará pelo museu se este não se “puser a toque de caixa” na próxima exposição.

Também em Roma, no Palazzo Barberini e até 20 de Janeiro será possível ver a exposição "Bernini Pittore." O pintor que Bernini era estava praticamente velado pela sua escultura. O local parece adequado, uma vez que Bernini trabalhou no palácio depois da morte de Carlo Maderno, o arquitecto responsável. O problema está no seguinte: dos cerca de 30 trabalhos em exibição, apenas 16 retratos e auto-retratos podem ser atribuídos com toda a certeza a Bernini e outros não são da sua autoria, mas de seguidores do mestre. Quer dizer que não obstante a qualidade dos trabalhos, podemos estar a ver “gato por lebre”.

A Fondazione Memmo no Palazzo Ruspoli apresenta "Da Cranach a Monet: Capolavori dalla Collezione Pérez Simón" (Cranach rules!!!) até 27 de Janeiro. Nada liga mais de 600 anos de pintura, a não ser o facto de as obras em exposição fazerem parte do futuro espólio de um museu que ainda vai ser construído no México para albergar esta colecção privada. Esperemos pelo menos que o plano museológico para a exposição tenha sido esforçado, que se tenha procurado pontos em comum entre as obras.

Fora das tendências desta época estão estas duas exposições:
Na Holanda a De Nieuwe Kerk apresenta até 20 de Abril a mostra "Hidden Afghanistan". Isso mesmo, depois de Hollywood (Jogos de Poder), a Europa pode começar a abrir os olhos. Para ter uma visão que não é puramente política, mas que também será muito mais rica, acho eu. O Afeganistão está entre o Ocidente e o Oriente, entre várias culturas (Chinesa, Persa, Grega e Indiana) que deixaram a sua marca no país e na sua arte. Esta exposição mostra mais de 250 peças que foram descobertas em 2004 no Banco Central em Cabul, escapando assim dos ataques talibãs.

Em Turim, na Pinacoteca Giovanni e Margella Agnelli tem patente a exposição "Why Africa? The Piggozzi Collection" até 3 de Fevereiro. Não é propriamente um trabalho de caridade e se fosse a exposição não seria melhor nem pior do que isso, mas mais uma vez publicita a obra de artistas que já estão representados na Colecção Sindika Dokolo que como se sabe, provoca urticária aqui ao Belogue. O escândalo que envolvia o coleccionador, a sua mulher e a própria Bienal de Veneza ainda está bem fresco e certos nomes representados nesta exposição, e sem querer colocar em causa o seu mérito, ficarão para sempre associados a ele, aos escândalos. No entanto, é bom ver que depois da Bienal e depois da Tate, a arte africana está de volta à Europa.