terça-feira, janeiro 22, 2008

- ars longa, vita brevis -
hipócrates
Cada cabeça sua sentença
Estava aqui a ler uma coisa que me levou a uma pequena investigação que por sua vez culminou neste post. Sabe-se que no dia 27 de Julho de 1453 chegou e atracou em Miragaia, Porto, uma embarcação de cristão arménios que vinham fugidos das chacinas de Maomé II no Império Romano do Oriente. Naquela altura em que o Impero estava dividido em dois. Os que na embarcação vinham tinham conseguido escapar da fúria de Maomé as relíquias de São Pantaleão. Ora aqui começa a intriga: São Pantaleão não surge em dicionários de santos e nem na Legenda Aúrea. O santo que se tornou físico era filho de um gentio chamado Eustórquio e de uma cristã chamada Eubula. A mãe educou-o na religião católica. A partir daqui surge a lenda em torno de São Pantaleão ou pelo menos, em torno da forma como se tornou santo. Diz-se que abandonou uma vida de devassa por causa de um amigo cristão e por várias vezes foi detido quando imperava Diocleciano. Por fim decapitaram-no e em 303 recebeu a coroa do martírio sendo venerado mais pela Igreja Ortodoxa Grega do que pela Apostólica Romana. No entanto, as suas relíquias estão espalhadas um pouco por todo o mundo: Itália, Argentina, Portugal… Sim, Portugal! Mais concretamente, Porto. Quando as relíquias chegaram a Portugal foram depositadas na Igreja de S. Pedro em Miragaia, junto da qual os arménios que pediram asilo ao nosso país construíram uma comunidade. Ainda hoje há uma rua por aqueles lados que se chama Rua dos Arménios. Ora nesse ano de 1453 abateu-se sobre a população uma peste que fazia temer mesmo os mais optimistas e as pessoas, não tendo a quem mais pedir, pediram a São Pantaleão que lhes valesse. E não é que valeu?! A pestilência mirrou e as gentes do Porto juntamente com o seu prelado proclamaram São Pantaleão como santo padroeiro da cidade e assim permaneceu durante cerca de 500 anos. Eu cá não sei como é que um padroeiro deixa de o ser, mas foi o que aconteceu com São Pantaleão.

Em 1954 e comemorando-se o Ano Jubilar de Nossa Senhora da Conceição, rainha e padroeira de Portugal, o bispo D. António Ferreira Gomes institui Nossa Senhora da Vandoma como padroeira da cidade do Porto. Quer-me parecer que esta decisão servia bem os propósitos do regime político da época. Não que São Pantaleão não fosse: era santo protector dos físicos e da medicina, mas uma invocação de uma Nossa Senhora para adorar ficava muito melhor na fotografia do Antigo Regime que até era muito dado às mulheres. E como é que surge esta senhora? No século X, nos finais do século X (mais recente que São Pantaleão e por isso não se percebe a escolha ou substituição), entrou no rio Douro uma armada de nobres vindos da Gasconha Francesa que tinham como objectivo expulsar uns mouros que ocuparam ilegalmente terras daquelas bandas e que trouxeram com eles uma imagem de Nossa Senhora da Vandoma e colocaram-na na porta principal da cidade, passando esta a chamar-se Porta da Vandoma. Entre estes contavam-se D. Moninho Viegas, o seu irmão de nome D. Sesnado e que posteriormente acabou por se tornar bispo do burgo, bem como D. Nónego que renunciara ao seu bispado de Vandoma, em França, para se aventurar por rios portugueses. Até aqui podemos concluir que o que de melhor chega ao Porto chega de barco. Ou de comboio, na minha opinião.

Pois continuemos… O arco em questão está situado perto da Sé, para onde posteriormente também as relíquias de São Pantaleão foram levadas. Ora quanto às relíquias de São Pantaleão temos de dizer que a relíquia em si não é a cabeça do santo, apesar do título de uma exposição há tempos patente no Museu Nacional Soares dos Reis fazer acreditar em tal. Chamava-se “Esta é a cabeça de São Pantaleão”, mas ao que parece a cabeça de São Pantaleão está na Argentina. O que se encontra na Sé do Porto é um cofre relicário com uma relíquia têxtil, que como todas as outras relíquias no mundo, pode ser do santo como pode não ser. O Arco da Vandoma, que ficava perto da Sé foi então adornado com a imagem de Nossa Senhora da Vandoma. Hoje já não o encontramos porque foi demolido em 1855 por ordem da Câmara Municipal. Mas a imagem passou para o interior da Sé e é lá que a podemos ver. Também a podemos ver nas armas da cidade do Porto, mesmo entre duas torres, armas que datam de 1517 e permanecem até hoje. Nossa Senhora da Vandoma surge no emblema da cidade com manto azul e veste vermelha, as cores originais, mas durante as lutas liberais as cores mudaram para outras mais constitucionais passando o manto a ser azul e a túnica branca. Aliás, o nome Cidade Invicta dado à cidade do Porto deverá ter vindo das armas da cidade ou da atribuição onomástica dada à Virgem e relacionada com a cidade, pois o que podemos ler nas armas da cidade é o seguinte: “Civitas Virginis”; ou seja, “Cidade Virgem”.

É que o culto de São João não era um culto reconhecido pela Igreja. Era um culto pagão muito apreciado pelo povo pois não estava envolto na religiosidade dos outros cultos. As pessoas podiam saltar as fogueiras, podiam brincar umas com as outras e São João Baptista (porque o São João que se comemora no Porto é o Baptista e não o Evangelista) é um santo dado à empatia: era mais ou menos da idade de Jesus, surge muitas vezes as brincar com o filho de Deus, foi quem baptizou o Messias e o seu martírio (decapitado por um capricho de Salomé) não suplanta as imagens do menino que agita a mensagem de Deus “este é o Meu filho amado com o qual Me alegro” O culto de São João foi instituído na secretaria como feriado municipal em Janeiro de 1911 por referendo popular.

4 Comments:

Blogger João Barbosa said...

Estou esmigalhado. Bela posta!

22/1/08 9:24 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

dos santos já sabia, mas da santa não! e gostei!

24/1/08 12:44 da tarde  
Blogger Belogue said...

já sabias dos santos e não contaste nada?

25/1/08 12:33 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

ora, queres que uma pessoa desfolhe assim as coisas, tipo concurso de cultura geral!! eu sei lá em que recôndito do meu cérebro estava o são pantaleão! e já que estamos por miragaia, ora procura lá pelo palácio das sereias, que és capaz de gostar...

25/1/08 7:46 da tarde  

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