terça-feira, dezembro 04, 2007

- ars longa, vita brevis -
hipócrates
[meio "antes de depois", meio "o que se pôde arranjar"]
A vida de Rubens foi uma subida a pulso. Um escândalo marcou a sua infância. O pai de Rubens foi preso em flagrante quando partilhava o leito com a Princesa d’Orange. Esta vergonha, e a morte do pai, fez com que Rubens vindo de uma família calvinista tivesse que se exilar na Antuérpia. Lá, Rubens foi educado segundo a religião católica. Aos 14 anos ingressou numa casa real como pajem e aí aprendeu a pintar com alguns mestres. Em 1600 o pintor vai para Itália e começa a trabalhar para a corte de Mântua, para os duques da família Gonzaga. No entanto, Rubens conseguiu recuperar a respeitabilidade tão necessária na época, ao contrário de Rembrandt, por exemplo. Rubens tinha uma grande capacidade diplomática que fazia com que o cliente se sentisse sempre satisfeito. Isto, sob o ponto de vista criativo não é uma mais valia, nem garantia de qualidade, mas Rubens tinha-a. Depois de Mântua Rubens foi para Roma, para Espanha e voltou a Antuérpia oito anos mais tarde aquando da morte da sua mãe. A pintura de Rubens reflecte um pouco do estilo flamengo e do estilo renascentista italiano que ele procurou captar nos anos em que esteve ao serviço do duque de Mântua. Chamam-lhe o Príncipe do Barroco. Isto, penso eu, porque o Rei do Barroco já existia; era Caravaggio.
Não encontro em Rubens muitos "antes de depois", o que com a quantidade de discípulos que o pintor deixou até é de estranhar (geralmente os discípulo tendem a seguir o mestre e pintar segundo a sua maneira, assinando com o nome do mestre ou da sua oficina). Rubens foi profícuo em quantidade e, devo admiti-lo, em qualidade. Embora não tenha tido os mesmos demónios que Rembrandt tinha em relação à religião, Rubens deverá ter tido os demónios decorrentes do seu passado. Quem não os tem? Em relação aos antes de depois, estão aqui dois quadros do pintor com alguns anos de separação e que retratam o Julgamento de Paris. A história de Paris é breve e necessária para a compreensão do quadro. Quando nasceu, Paris foi abandonado uma vez que os oráculos vaticinavam que iria ser a desgraça da sua cidade (uma mistura entre Édipo e Moisés). Apesar de mais tarde se ter provado que era um membro da família real e por isso aceite entre os seus, cedo se viu envolto numa polémica: foi convocado por Júpiter para ser juiz num concurso de beleza onde se escolhida a mais bela deusa entre Juno, Minerva e Vénus. O prémio era uma maçã de ouro, também chamada de Pomo da Discórdia onde estava inscrito a seguinte expressão: “para a mais formosa”. Cada uma das candidatas (mulheres!) tentou subornar Paris: Juno ofereceu-lhe poder, Minerva ofereceu-lhe vitória nos combates e Vénus prometeu-lhe o amor da mais bela mortal do mundo; ou seja, Helena de Esparta (que até ai era de Esparta e só depois foi de Tróia). E quem é que ganhou? Vénus, obviamente! Paris rumou então a Esparta para reclamar a sua recompensa, aproveitando a ausência do marido de Helena, o rei de Esparta, Menelau. Helena acompanhou de bom grado Paris e fugiram os dois para Tróia. Ao saber do “rapto”, o marido traído foi buscar a sua esposa com um exército grego. A cidade ficou cercada durante dez anos e Paris perdeu. Não foi um guerreiro muito empenhado, mas conseguiu atingir Aquiles no seu calcanhar. Foi depois morta e como sabemos, Tróia passou para as mãos dos gregos.
Ora os quadros em questão retratam o Julgamento de Paris. O primeiro mostra o momento de conclusão do concurso de beleza em que a escolha de Paris já está tomada. Como se pode ver ele entrega a maçã a Vénus, um Cupido agarra-se à perna de deusa e toca-a no púbis, outro desce dos céus e coroa-a dando a entender que a situação é irreversível e que nada, naquela paz anuncia a Guerra de Tróia.

Rubens
The Judgment of Paris

c. 1625
National Gallery, Londres

Já o outro Julgamento de Paris mostra o momento da escolha com as três deusas nas sua melhores posições e um pouco afastadas de Paris para este as apreciar melhor. Paris medita (demais, na minha opinião. A pose não é nada credível). Mercúrio, que tirava vantagens de uma vitória de Vénus, eleva a maçã, mas o quadro mostra um momento de tensão. Rubens pintou primeiro o momento de decisão e depois o de tensão. No quadro anterior, no quadro da decisão, chamemos-lhe assim, Rubens pinta as personagens de forma estática, sem vida; os seus corpos apoiam-se uns nos outros. Um crítico classificou mesmo as formas de Minerva (de costas) de cubistas. O casal da direita não faz sentido no quadro, as suas expressões são enigmáticas, um pouco tontas. Porém, sob o sol italiano e anos mais tarde a composição transformou-se. Os corpos passam a estar iluminados, a composição é coerente se foca-se no grupo das três deusas que se ondulam, que seduzem. Alguns anos foram o suficiente para transformar o quadro cubista e pudico numa composição quase erótica.

Rubens
The Judgment of Paris

c. 1639
Museo del Prado, Madrid

2 Comments:

Blogger João Barbosa said...

cortou-me a respiração

4/12/07 9:20 da manhã  
Blogger Belogue said...

veja lá isso. não me vá morrer na caixa de comentários!

4/12/07 5:11 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home