quarta-feira, dezembro 05, 2007

- o carteiro -
Alguém se lembra da lata "Merde d'artiste" de Piero Manzoni. Falava da sociedade de consume, do estatuto do artista, da conservação museológica… e tudo numa lata que continha fezes do próprio artista. Ora ao que parece a saga não ficou pela arte povera nem pelos anos 60. Santiago Sierra é um artista mexicano a viver em Espanha cuja última exposição, em exibição na Lisson Gallery em Londres, está a ser notícia. Não é a primiera vez que Sierra consegue obter protagonismo, isto graças ao cariz das suas obras: são sempre marcadamente provocadoras. Já fechou com correntes a entrada da galeria onde estava a expor, isto em 2002 e em 2004 pulverizou voluntários que iam para o Iraque com poliuretano. E não olha a meios para atingir os fins: pagou a prostitutas toxicodependentes o preço de uma linha de heroína para tatuarem uma linha nas costas, empregou pessoas cuja função era ficarem escondidas em caixas de cartão, incendiou carros frente a uma sinagoga o que provocou a revolta dos judeus que para lá se deslocavam para rezar. O artista argumentou dizendo que a "queimada" tinha como propósito alertar as consciências para a banalização do Holocausto. Ele é acusado de carreirismo e exploração sob a capa da crítica social. Incendiário este tipo! E não é o único, uma vez que se nota a existência de uma nova geração de artistas que pauta o seu trabalho pela provocação gratuita. A sua arte sofre de "falta de humor": à entrada da exposição está uma placa que anuncia a entrada proibida a pessoas que cheirem mal, a grávidas, a idosos, a fumadores, a alcoólicos, a mendigos, sem-abrigo, a mentirosos, a jogadores, a cínicos e por aí em diante. Sem graça e ainda por cima desculpável!

Na exposição que está patente na Lisson podemos ver uma peça que se chama: "21 Anthropometric Modules Made of Human Faeces By the People of Sulabh International, Índia". (Passamos dos "untitled" para os títulos sem fim.) Não sei se leram bem, mas a "obra de arte" é feita com fezes humanas misturadas com resina, comprimida e dizem, sem qualquer cheiro ou probabilidade de trazer problemas para a saúde do público. São blocos que parecem uma estufa, assentes no seu comprimento e onde cabe um ser humano. Toda a forma como a exposição está montada sugere uma abandono da mesma, como se esta tivesse ficado suspensa, como se este fosse um work in progress.

Os excrementos foram recolhidos em Nova Deli e Jaipur e apesar de já serem úteis para as construções, nunca tinham sido recolhidas para um artista. De certa forma Sierra irá lucrar muito com um trabalho que se sustenta praticamente na matéria-prima, matéria essa que foi fruto de uma mão-de-obra gratuita. Hoje em dia é impossível apreciar uma obra de arte que não tenha sido produzida, nem que seja numa ínfima parte, por trabalho “escravo”. Lembremo-nos da proveniência de certos materiais e como umas mãos pequenas dão jeito para colocar os pelos num pincel. No entanto, a exposição de Sierra e, mais concretamente, a sua obra 21 Anthropometric Modules mostra como a arte tem relações estreitas com outras áreas do conhecimento e da sociedade.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

caramba, obrigada por dares a conhecer, e pores a pensar!

5/12/07 2:33 da tarde  

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