- o carteiro -
Vitrúvio, 10 e Bom Jesus de Braga:
Estava aqui a ler um resumo do Tratado de Vitrúvio. Dito assim até parece coisa de eruditos, para meia dúzia de iluminados, mas era apenas o resumo de cada um dos livros. O tratado está dividido em 10 livros cada um deles dedicado a uma temática embora não tendo todos o mesmo peso dentro do tratado em si. No primeiro, Vitrúvio faz considerações genéricas, no segundo fala de Geometria, no terceiro de Ética, no quarto de Aritmética, no quinto de História no sentido do conhecimento da mitologia, no sexto de Música, no sétimo dedica-se à Medicina, no oitavo à Jurisprudência, no nono à Astrologia e no décimo à Filosofia. Era o conhecimento de tudo isto que permitia ao arquitecto ser supremo na realização do seu papel. O próprio nome, “10 Livros de Arquitectura” faz a alusão a um número quase mágico, como são todos. (Grande parte das obras do saber ocidental estão divididas em dez partes.) O número 10 resulta da soma dos quatro primeiros números: 1+2+3+4=10. Há também outras razões para este número ser tão importante. O número 10 tinha grande importância para os platonistas e os neo-platónicos do Renascimento recuperam-na. Era igualmente significativo pois era a unidade para a construção do corpo humano ideal. O nosso corpo, numa linha vertical, é preenchido com 10 vezes a nossa cabeça. Era por vezes defendido que o módulo deveria ser o pé ou a mão, mas para o desenho de corpo humano ainda continua a valer a regra das 10 cabeças.
Este sentido de proporção e simetria passa também para o Cristianismo: para a Igreja Cristã que toma os cinco sentidos numa hierarquia de mais e menos pecaminosos. A visão, por exemplo era o sentido mais intelectual, não só por se situar na cabeça, mas também por dar a conhecer a realidade. Mas como a realidade permite várias interpretações, a visão está ligada à actividade cerebral. É também o sentido menos pecaminoso porque não pode tocar nas coisas, ao contrário do tacto e do gosto. Mesmo as artes dentro das igrejas são feitas para repelirem o tacto: a pintura não apela ao tacto, a escultura pós-tridentina é demasiado vestida e parece não ter corpo e a arquitectura serve como Bíblia, como um livro.
Um exemplo de como a arquitectura portuguesa não foi marcada por essas decisões é a escadaria do Bom Jesus em Braga. A escadaria das fontes tem cinco paragens em cinco patamares e cada uma delas possui uma fonte (elemento iniciático e purificador) representando um sentido. Mais em baixo, mais perto do profano está a fonte do tacto repleta de alusões ao mesmo: tem representado Salomão e uma bilha de onde jorra água. Salomão tem a seu lado Isaac e Isaías, duas personagens bíblicas cuja história está relacionada com os sentidos.
Segue-se a fonte do gosto que tem uma estátua de José segurando um prato, talvez numa alusão à venda da progenitura por um prato de lentilhas.
Na fonte do olfacto está relacionada com o Antigo Testamento e com a Natureza, uma vez que Sulamita é o equivalente a Maria no Antigo Testamento e é uma personagem ligada à Natureza e daí a relação com os cheiros.
A fonte do ouvido está interligada à música. Santo Agostinho falava de uma ordem universal tendo como ponto de partida as cordas de uma guitarra.
Por fim, a fonte da visão vem fechar o ciclo, uma vez que já na fonte do tacto havia uma alusão a Isaac cego. Aqui, na fonte da visão uma estátua lança água pelos olhos e ao lado tem Moisés (quando partiu Deus lançou as dez pragas e foi Moisés quem segurou a tábua com os dez mandamentos) e Jeremias.
2 Comments:
isto é que é trabalhar...
quem? eu ou o vitrúvio?
Enviar um comentário
<< Home