segunda-feira, outubro 29, 2007

- o carteiro -
Poussin, Blunt e Schubert:
O século XVII pode ser visto pela mão de dois pintores que têm duas visões completamente diferentes da pintura e do século em si: Poussin e Rubens. O Maneirismo não fez uma ruptura completa com o Classicismo, mas antes uma diferença na continuidade, uma excepção na regra introduzindo uma outra ideia na Arte. Em vez desta ser a janela para o Mundo, passa a ser Ideia, intectualização dos processos que cada vez se tornam mais elitistas. Um exemplo disso é Arcimboldo, com uma linguagem muito própria que se poderia ter lugar num cenário de abertura e aceitação da individualidade criativa. Por isso recuperam-se certos pontos de vista como se pode notar nas figuras serpentinadas e exageradamente alongadas e Guido Reni, a primazia no ornamento sobre qualquer temática ou técnica, a desnaturalização da Natureza proposta da qual os jardins maneiristas são bons exemplos: curvas, grutas, elevações, alegorias fantasmagóricas.

Mas isto servia apenas para dizer que Poussin e Rubens representam os dois lados do novo estilo: congregavam a Ideia e o Barroquismo. Poussin – que é quem nos interessa para este post – representava a imagem do pintor erudito, aquele que encarava a pintura como “cosa mentale”, como dizia Leonardo da Vinci. Entre a Ideia e o Barroquismo, Poussin é representante da Ideia, na sua tristeza contida e prisioneira que de uma forma estranha explode, ao contrário do pintor em si que era um estóico e por isso não tinha nunca tomado uma posição de revolta. Poussin nasceu nos finais de 1500 e era filho de camponeses e militares. O pai era um militar que se casou com uma viúva e foi para a Normandia. Sabe-se pouco sobre a vida de Poussin, o que levou Balzac a dourar a mesma. De qualquer forma pensa-se que por volta dos 20 anos Poussin já estivesse em Paris. Acompanha a Escola de Fointanebleau, mas nunca pintou por encomenda para a Igreja mesmo quando esteve em Itália. Recusava isso e preferia a vida de pintura de atelier, pintura com temática do autor e para uma elite com poder económico e grande capacidade de como ele, reflectir sobre a arte. A mais valia de não ser um pintor de encomendas religiosas nem reais era que sendo um pintor independente teria tempo para pintar ao seu ritmo. Um pintor de corte não se limita a pintar; faz os cenários efémeros para os diferentes eventos reais, decora palácios, desenha jardins… Poussin precisava de paz e tempo para viver a sua vida como um diabo, escuso, acometido por tremores, e ainda assim com uma esposa que o ajudava no contacto com o mundo externo. A sua pintura reflecte sobre o rigor e a austeridade, sobre a frigidez, sobre a apatia e ausência de vida, a melancolia… Mas são também quadros com uma grande capacidade de dar lições, com carácter propedêutico e pedagógico que até vai de encontro aos pressupostos tridentinos para a arte.
Dois dos estudiosos de Poussin foram Claude Lévi-Strauss e Anthohy Blunt, este último já no século XX. Certamente já ouvir falar nele, ou pelo menos podem ler aqui o que foi a sua vida, mas faremos um resumo. Blunt era um inglês que trabalhou como espião ao serviço da Rússia durante a Segunda Guerra Mundial. Fazia parte de um grupo denominado Grupo de Cambridge formado por quatro homens (há quem fale na existência de um quinto elemento), todos eles homossexuais, bons alunos, ricos, de boas famílias. Eram elitistas mas defendiam no entanto as classes mais baixas até lhes ser possível, uma vez que com a entrada da Europa na Segunda Guerra Mundial, a espionagem dupla dificultava o movimento a quem queria passar despercebido. Após a Segunda Guerra Mundial e com a separação de americanos e soviéticos, Blunt teve posição privilegiada pois tinha acesso ao programa atómico americano que desviou para os Russos. No entanto a sociedade inglesa nunca se escandalizou com isto, nunca acreditou nisto, baseou sempre o tratamento dado a Blunt na palavra das partes e na honra associada ao acordo verbal. Poussin é uma espécie de aler-ego de Blunt porque era proporcional, regular, contido e frio, não só na obra como na vida.
E para terminar, avançamos no tempo até ao século XVIII e descobrimos Schubert e a sua “Viagem de Inverno” que acompanha o Inverno de Poussin. Até nem gosto de Poussin, mas que está mais frio, lá isso está.

Poussin
Autumn
1660-64
Musée du Louvre, Paris