terça-feira, novembro 15, 2005

CONFERÊNCIA DE IMPRENSA

(Não é costume, não gostamos, mas hoje vamos citar)

"Gosto da vida, ou pelo menos, não me imagino sem ela. Mesmo quando o meu peso era pouco mais de 30 quilos para uma idade que era pouco mais de 20 anos, gostava da vida. É claro que aí o que eu gostava não era o abrir da janela pela manhãq, nem do cheiro a castanhas assadas, nem do vento vil nas caleiras. O que eu gostava na vida era a possibilidade de decidir sobre ela. E era com algum orgulho - e confesso - com alguma sobranceria que me apegava à vida com a certeza de que poderia deixá-la quando o desejasse.

Ao contrário dos outros que esperariam a passagem de um eléctrico, um forno de gás, uma lâmina para os pulsos, a minha morte estava decidida com a doação a Mefistófeles de um quilo por semana. Gostava da vida por sabê-la na minha mão e por saber que podia asfixiá-la lentamente.

(...) Mas uma vez experimentada a felicidade, achamos impossível voltar ao sítio de onde viemos e tudo nos sabe a pouco. Toda a criação e toda a fruição nos parecem estéreis se não tivermos com quem partilhá-la. Entre as 9h e as 17:30h, eu tinha a minha felicidade de repartição que se exprimia por "olás" e "com licença", trejeitos simpáticos mas sem corpo. De quando em quando, uma mão no ombro para mascarar a frieza do sítio. O pior era as 17:31h, quando as ruas se enchiam de gente e de vida e eu, vazia de tudo isso. Sem um coração ao meu lado a bater ao mesmo ritmo, sem uma mulher à minha espera no fogão, sem uma criança a quem pudesse passar a mão pela cabeça, sem vontade de não comer, sem vontade de asfixiar a vida. Gosto da vida, não por tê-la na minha mão, mas porque não tenho alternativa."

(in, O Simétrico)

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

15/11/05 7:23 da tarde  

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