segunda-feira, novembro 14, 2005

O CARTEIRO

Sobre a loucura (e a morte)

No último livro de "Em busca do Tempo perdido" de Proust, na página 182 (Edição Relógio D'Água), o Barão de Charlus dizia com certo orgulho: "Hannibal de Bréauté, morto! Antoine de Mouchy, morto! Charles Swann, morto! Adalbert de Montmorency, morto! Boson de Talleyrand, morto! Sosthène de Doudeauville, morto!"

Quando li isto, lembrei-me do letra de "Chatterton" de Seu Jorge* que diz assim:

"Chatterton, suicidou
Marc-Antoine, suicidou
Van Gogh, suicidou
Schumann, enloqueceu
E eu puta que pariu** não vou nada bem..."

De facto Chatterton suicidou-se com arsénico com apenas 17 anos, por falta de esperança num futuro melhor e por se recusar a viver numa condição inferior à que tinha traçado para si. Camilo Castelo Branco, num texto de lamento e elogio a Francisco Joaquim Bingre publicado no folhetim "O Nacional" em 1852, reportando-se ao «[...] sudário de um homem de talento vexado pela pobreza!» diz, depois de ter podido apreciar uma grande composição poética de Bingre e talvez pensando também na sua condição (ele que viveu tão próximo da miséria e em muitas circunstâncias contemplou a hipótese de suicídio que acabou por consumar): "Agora, sim, que eu desprezo Chatterton, o cobarde do infortúnio, e curvo o joelho ao suicídio lento de Francisco Joaquim Bingre.

Termino esta extensa missiva com uma frase de Erasmo de Roterdão a Thomas More: "É que comecei por pensar no vosso cognome de More que tanto se aproxima do nome grego da Loucura (Moria) quanto a vossa pessoa se afasta dela."

Segundo o "Dicionário das Cores do Nosso Tempo" de Michel Pastoureau, o amarelo é a cor da loucura. Por isso aqui fica Yves Klein.


Yves Klein
M12
1957

*No dia 4 de Novembro Seu Jorge deu um concerto atípico na Casa da Música. A vontade de pôr o público a dançar contrastava com a falta de espaço e com o incómodo que isso causava aos espectadores que estavam mais atrás. Por outro lado, não se aguentava aquele discurso de homem que nasceu e cresceu na favela, que lutou, que acredita... Há dias em que não há paciência.
** Perdão pelo palavrão.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Seu Jorge diz: "Je t'aime...!"
Serge Gainsbourg responde: "Mois non plus...!"

(A canção do Seu Jorge é versão. A original foi cantada pelo Serge Gainsbourg)

15/11/05 8:20 da manhã  

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