sexta-feira, julho 01, 2022

- o carteiro -













Van Gogh
Fifteen Sunflowers in a Vase
1888
National Gallery, Londres

quando a minha idade era outra que não esta a minha mãe - que nesse ano fazia 30 anos - foi ao Brasil visitar a madrinha que estava bem na vida, com casa na cidade e no campo. Foi um acontecimento: o meu pai chorou com saudades, eu passei uns dias em casa da minha catequista (o que foi, no mínimo, aterrador) e o meu irmão foi o meu irmão. De lá, a minha mãe trouxe fatos-de-banho super cavados, um fato de ginástica, a Marie Claire decoração e - lembro-me - três discos: A Turma do Balão Mágico, o Samba da Mangueira e o disco de um concerto ao vivo do Roberto Carlos. Ela nunca foi fã, mas acompanhava as coisas del corazón das celebridades brasileiras e o Roberto Carlos vivia nessa altura um romance polémico com a Miriam Rios que era, acho eu, menor de idade quando o conheceu. O gira-discos era novo: uma compra suada dos meus pais (a viagem foi oferta, só para que saibam) que agora descansa, ferido de morte, na prateleira de um guarda-fatos nos arrumos da casa.
Nunca utilizei o fato de ginástica porque eu era muito coquete: o fato era de alças e para mim um fato de ginástica tinha de ter manga comprida, pelo que serviu de fato de banho. Os fatos de banho - um amarelo e outro vermelho - foram a minha vergonha. Porque aos 8 já tinha atributos que não deviam ser para a minha idade, sentia o olhar de reprovação de toda aquela gente da Igreja para quem a minha existência por si só era uma afronta à moral e aos bons costumes.  
A Marie Claire, como diria alguém de cujo nome agora não me recordo, era um tratado, uma catedral e tinha, para além de cenários de telenovelas, uma secção de receitas nas quais se incluía o Rocambole de Café, feito com Leite Moça que eu não percebia o que era. Também não percebia o que era uma colher de sopa de farinha. Sopa de farinha? Mas que sopa é essa? A lata de Leite-Moça tinha uma leiteira como a do Vermeer, mas isso só fiquei a saber muito mais tarde.
A minha mãe também trouxe do Brasil uma camisa de noite cor-de-rosa, muito macia e rendada, com um robe a combinar, tal como na televisão. Era tão macia que escorregava quando tentava dobrá-la. Adorava vesti-la com pérolas falsas que a minha mãe tinha, em forma de cintos (modas!...), e completava o outfit com uma combinação que colocava na cabeça para fazer de conta que tinha cabelo comprido porque a minha mãe não me deixava ter cabelo comprido (medo de piolhos e lêndeas, acho). Às vezes metia aquelas coisas todas dentro de um saco de plástico e vinha cá para fora, para a porta de casa, com o saco traçado entre os braços e claro, os sapatos altos da minha mãe, azuis, em camurça e que haviam sido uma escolha única para o casamento da minha tia. Havia uma carteira a combinar, mas era uma carteira envelope e não dava para tudo.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

....

11/7/22 1:30 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Férias?

17/7/22 5:45 da tarde  

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