quarta-feira, fevereiro 08, 2017

 tudo está bem quando acaba bem

O Shakespeare tinha obras com títulos muito úteis. Um deles é "muito barulho para nada". O outro é este: "tudo está bem quando acaba bem". Isto quer dizer que não importa os percalços do caminho; o que interessa é chegar à meta. (Por acaso acho que o mais importante não é chegar à meta, mas fazer o caminho.). Para Elle, a meta será receber o Óscar para melhor actriz. Não me venham com m*****: não necessito de ver os outros filmes para saber que é a Isabelle Huppert que deve ganhar o Óscar de melhor actriz. Da mesma forma que não necessito de ler todos os livros do Gabriel García Márquez para perceber que o Realismo Mágico não me diz grande coisa. Sim, a Meryl Streep é fantástica mesmo a fazer o pino, mas a Isabelle Huppert merece. Merece pelo Elle e pelos outros filmes que fez. Merece porque consegue ser fria, sarcástica, impiedosa, risível e, num Deus ex-Machina, fazer-nos sair da sala totalmente confusos: é ela a vítima ou somos nós? É que no fim, nós saímos do cinema desgastados, confusos, sem saber o que dizer e ela... ela sai airosa, reconciliada com todos, mesmo com aqueles que manipulou. Ou será da nossa imaginação e ela não manipulou o filho, o vizinho/violador, o amante? Será que ela, enquanto professora de piano não manipulou a mãe? As personagens dos dois filmes têm muitas semelhanças e eu, que adoro A Pianista, não posso deixar de adorá-la neste papel que não é para meninos. Neste caso, para meninas. Temos a cena da masturbação do amante no escritório, semelhante à da masturbação do jovem talento da música na casa-de-banho e que ela leva a cabo como se de uma punição se tratasse; temos a cena da fantasia sexual com o vizinho (enquanto ela o espreita da janela) e a cena em que a Erika Kohut urina atrás de um carro (mais uma vez a confusão: ela chora, quando urina, de dor - já que se cortava nas virilhas para simular o período menstrual - ou de prazer? Ela cortava-se para sentir dor ou para fingir, ante a mãe, que era uma outra pessoa, uma outra mulher?) E a personagem de Elle, gosta do jogo com o violador ou quer levá-lo ao desespero? Procura vingança, ou prazer? Ele é feita da mesma matéria de que o pai é feito? Pode a violência ser hereditária? É que no fim, tudo acaba bem. 

E eu queria muito (e acho) que, em nome da diversidade e de um papel que inverte a lógica da vitimização, ela ganhasse o Óscar para melhor actriz. Aí sim, tudo estaria bem.