segunda-feira, janeiro 18, 2016

- o carteiro -

e o Homem criou Deus... (X)

Recapitulando: após a morte de Cristo, o cristianismo foi sendo gradualmente aceite e implementado oficialmente com Constantino. A "Europa", devido a uma sucessão de maus imperadores, de lutas sanguinárias, e de má gestão de um império cada vez maior, capitula em 410 com a entrada na cidade de Roma dos visigodos. A capital do Império é transferida para o Oriente, para Constantinopla (porque Roma ficava muito afastada de algumas fronteiras do império que era cada vez maior) e durante algum tempo este foi de facto um lugar florescente, com Justiniano e Teodora a ambicionarem fazer do Mediterrâneo o seu feudo e iniciarem a reconquista dos territórios perdidos a partir daí. Mas não contavam com a peste, vida de barco. O Ocidente estava retalhado, com os "países" divididos entre reis bárbaros que digladiavam-se em troca de mais território e, por consequência, de mais impostos. É em França que tudo começa, com a conversão do rei bárbaro Clóvis, ao cristianismo. Foi a partir daqui, e através dos seus sucessoras, que a Europa não só foi resgatada dos bárbaros, como conseguiu impedir a entrada dos muçulmanos neste território. As tropas formadas para expulsar os bárbaros eram difíceis de manter longe de trabalhos em tempos de paz. A solução foi enviá-las em cruzadas: algumas justificadas, outras pura catarse.
 
Carlos Magno era descendente de Clóvis. Carlos Magno herdou, após a morte do pai, metade das posses deste. A outra metade era do seu irmão que, segundo se sabe, morreu de morte morrida. Não se exclui a hipótese de ter sido de morte matada. Carlos Magno ficou assim responsável por um vasto domínio que ia de Marselha a Colónia. Em Dezembro de 800, o Papa Leão III junta-se a Carlos Magno e a um exército que ruma em direcção a Roma, para recuperar o seu lugar de direito. Numa espécie de troca, de compensação pela ajuda na recuperação do trono papal, Leão III coroa, em 25 de Dezembro desse ano, Carlos Magno como sacro imperador romano. Há aqui uma história curiosa: Carlos Magno queria ser coroado segundo o ritual bizantino; ou seja, queria ser aclamado, coroado e adorado, sendo que depois o Papa deveria ajoelhar-se ante ele. Só que Leão III não queria perder o poder (embora já o tivesse perdido quando pediu a protecção de Carlos Magno em 799 após ter sido atacado por um grupo de homens). Então, e para dizer que a última palavra era sua, Leão III retirou a coroa da cabeça do imperador e voltou a colocá-la, como que a dizer que concedia ao imperador essa graça. Fora este incidente, os dois governaram pacificamente a parte ocidental do império.
 
A coroação de Carlos Magno como Sacro Imperador romano é reveladora também de outra coisa: da relação com Constantinopla. A partir daqui acentua-se algo que já tinha sido revelado com a crise iconoclasta: a divisão entre a igreja católica do ocidente e a do oriente. É que na traição bizantina o imperador é a imagem de deus na Terra. Se só existia um Deus no céu, só podia existir um imperador na Terra. E na realidade, para além de Carlos Magno no Ocidente, havia Irene de Bizâncio em Constantinopla. Seria necessário por isso depôr um imperador. Para Carlos Magno e para o Ocidente, o trono de Bizâncio estava como que vazio, já que quem o ocupava era uma mulher. Ela não era para ele qualquer ameaça. Bizâncio por seu lado propõe, pela mão de Irene, claro, uma unificação do império, o que não aconteceu. O império continuou dividido em dois, sem que o do Oriente reconhecesse a supremacia de que o do Ocidente se achava possuidor.
 
Em Roma estas questões foram colocadas de lado enquanto o Papa e o imperador tentavam unir todos os reinos e converter os pagãos. Estas conversões não eram lá muito pacíficas, como podem imaginar. Carlos Magno era um soldado de Deus, mas um soldado e não hesitou em usar da força quando se tratava de evangelizar... Até aqui a cristianização do império havia sido pacífica, mas o uso da força, da política de queimar terra e desalojar pessoas inicia a legitimidade do uso da violência. Um episódio marcante desta violência foi o perpetrado pelas tropas de Carlos Magno contra os bárbaros saxões. De tal forma que o regime nazi assinalava este massacre como um ponto marcante da violência contra os saxões (alemães).