segunda-feira, junho 15, 2015

- o carteiro -

e o Homem criou Deus... (II)

as sociedades eram portanto politeístas: adoravam vários deuses que tinham características físicas e psicológicas humanas e habitavam elementos ou estavam responsáveis por eles. a ocidente, tanto a Escandinávia, como Grécia ou Roma tinham os seus deuses. No caso de Roma, que adoptou os deuses gregos dando-lhes nomes diferentes, o politeísmo era uma forma de lidar com a morte. estamos perante uma sociedade extremamente violenta, onde viver podia ser mesmo um castigo. com as sucessivas mudanças de governo - apoiadas na necessidade de apaziguar os ânimos das hostes que apoiavam uma ou outra facção que queria governar um império em expansão - as delacções eram frequentes. viver o suficiente para ver os filhos crescerem e ver nascer os netos era a felicidade. a morte era uma realidade diária. havia por isso todo um ritual diário ligado com a morte: manter o fogo sagrado, fazer oferendas aos deuses (oblações e holocaustos)... tudo fazia parte de uma superstição generalizada. a ligação dos romanos aos deuses não assentava portanto na fé, mas na superstição.
embora morrer por causa da pátria fosse mais comum - ou chocante - do que morrer pela pátria, a verdade é que as honras que Roma concedia aos heróis que por ela morriam era quase nada quando as comparamos com a fervorosa gratidão e devoção que a Igreja primitiva manifestava para com os seus mártires. Mas vamos por partes: há razões pelas quais o cristianismo se foi implementando numa região onde já existiam duas formas de religião: o judaísmo e o paganismo. Por um lado o judaísmo era restricto, era visto como uma nação, um povo enquanto o cristianismo era considerado como uma seita. judeus e pagãos mais ou menos bem: os judeus empreendiam obras e tiveram protecção de alguns imperadores que em troca choraram a sua morte. como eram um grupo restricto nunca procuraram, ao contrário do cristianismo, expandir-se. essa foi aliás uma das vantagens do cristianismo face aos potenciais crentes: enquanto os judeus impunham a circuncisão, os cristãos aceitavam circuncidados ou não circuncidados. para além disso, os judeus, muito ortodoxos quanto às questões alimentares, não conseguiam aceitar a ideia de que o pão e vinho eram o corpo e sangue de Cristo. os cristãos ofereciam também uma esperança: a vida após a morte. num mundo onde era muito fácil morrer sem razão aparente, muitas vezes tendo por justificação acusações de conspiração, a vida após a morte apresentava-se como uma saída. no que diz respeito à convivência entre primeiros cristãos e pagãos, o mesmo foi, como se sabe, difícil. os pagãos não se opunham à ideia de que poderia existir um representante de uma entidade divina, sob a forma humana, mas estranharam várias práticas cristãs: por um lado a defesa, por parte dos primeiros cristãos, da existência de um mestre humano, de proveniência obscura e que fora morto pelos seus compatriotas. por outro lado rejeitavam a pobreza e ascetismo do seu mestre, bem como a ideia de imortalidade, de vida após a morte, uma vez que estavam focados nos benefícios e vicissitudes temporais. por outro lado não compreendiam porque é que os cristãos, que tinham um herói - Jesus - não escolheram para a prática dos seus rituais os templos dos heróis pagãos, optando antes pelos edifícios civis romanos para implementarem as suas basílicas por possuírem uma configuração que melhor se adequava aos rituais. As autoridades acusavam os cristãos de serem ateus por não acreditarem nos deuses do paganismo e de odiarem a natureza humana, já que pregavam coisas diferentes e estranhas.  
os primeiros cristãos tiveram uma implementação e aceitação difíceis, razão pela qual, e em território alheio que lhe era hostil, tiveram uma postura inicial bastante dócil. mas esta postura era objecto mais de louvor e admiração do que de imitação. Isto, é claro, mudou à medida que os cristãos foram ganhando terreno nos âmbitos civil e eclesiástico.